Marcos de Vasconcellos, jornalista, assessor de investimentos e fundador do Monitor do Mercado
Passei a última semana em Belém (PA), em fuga do inverno seco paulistano. Encontrei preços decentes, bem diferentes das diárias milionárias que hoje assustam delegações internacionais da COP30. A despeito da culinária incrível, da recepção calorosa e da natureza extraordinária, o que impressiona na cidade são as obras. E não é para o bem.
Ruas interditadas, poeira, barulho de escavadeiras em toda parte. Uma cidade quebrada tentando resolver problemas históricos em poucos meses. A pressa expõe improvisos e falta de planejamento. Revela o império do descaso numa capital que deveria ser vitrine da Amazônia. A cena lembra a corrida inglória das obras dos Jogos Pan-Americanos do Rio, em 2007.
Sediar a COP30 serviria, em tese, para reforçar o papel do Brasil como liderança ambiental. Num momento em que as iniciativas ESG - que avaliam empresas e governos sob critérios ambientais, sociais e de governança - viraram alvo de disputas ideológicas e financeiras, a credibilidade do País se torna um ativo valioso.
O debate em torno do tema é mais do que semântico: enquanto parte do mercado acusa o ESG de ser uma "agenda woke" que atrapalha negócios, outra parte o vê como condição mínima para liberar recursos. Fundos trilionários, especialmente na Europa, não aplicam mais onde não há compromisso verificável com práticas sustentáveis.
A oportunidade para o Brasil com a COP em casa seria justamente se colocar como destino seguro desse capital, mostrando ao mundo que é capaz de conciliar desenvolvimento com preservação. É aí que mora o problema. O jornal econômico alemão Handelsblatt classificou a atuação do governo Lula como "jogo duplo". O presidente sustenta o discurso de liderança climática global, mas deu andamento à lei que acelera licenças ambientais para megaprojetos de petróleo, gás, mineração e infraestrutura, até em áreas de risco.
A chamada Lei Geral do Licenciamento Ambiental - apelidada por ambientalistas de "Lei da Devastação"- foi parcialmente vetada pela pressão de Marina Silva, mas o coração do texto sobreviveu. O foco da contradição tem endereço certo: a foz do rio Amazonas. Estudos indicam reservas de petróleo comparáveis às que transformaram a vizinha Guiana em potência emergente. A Opep projeta que a produção de óleo do Brasil pode saltar para 5,8 milhões de barris por dia até 2030, alcançando o quarto lugar entre os maiores produtores.
Os defensores da exploração alegam que seria irresponsável abrir mão dessa riqueza: novas reservas garantiriam empregos, infraestrutura para o Norte e recursos capazes até de financiar a transição energética. Os críticos lembram os riscos: ecossistemas únicos ameaçados, planos de contingência frágeis diante de um possível desastre, e a ausência de consulta adequada às comunidades indígenas - obrigação legal.
Ter um pé em cada barco é receita para afastar os dois lados: quem rejeita a agenda verde e quem a exige como condição para investir. Diante do risco de perder protagonismo mesmo com a COP30 no próprio quintal, as diárias de hotel são apenas uma pulga em um elefante.