Bráulio Borges
Meu colega do FGV Ibre Samuel Pessôa assumiu nesta semana a coordenação do Comitê de Datação de Ciclos Econômicos, o Codace, da FGV. Ele substitui Affonso Celso Pastore (1939-2024), que foi coordenador desse comitê desde seu início, em 2004.
Cabe ao Codace, como o próprio nome diz, datar os ciclos econômicos brasileiros, replicando aquilo que é realizado pelo National Bureau of Economic Research (NBER) nos Estados Unidos há muitas décadas.
São quatro as fases do ciclo econômico: expansão, desaceleração, recessão e recuperação. Na expansão, a economia está crescendo em ritmo estável ou mesmo a taxas crescentes (em aceleração). Na desaceleração, a economia ainda cresce, mas a um ritmo cada vez menor. Na recessão, temos queda da atividade econômica. Após atingido o "fundo do poço" em uma recessão, temos uma recuperação - que só é plena quando a economia está de volta ao ponto em que estava antes do início da recessão.
Embora vários economistas, a imprensa e mesmo os políticos tenham um certo fetiche ou temor pela chamada "recessão técnica" -quando o PIB recua por dois trimestres consecutivos ou mais, em termos dessazonalizados-, esse é um critério muito ruim. Um PIB cair 10% em um trimestre e crescer 1% no seguinte tem muito mais cara de "recessão" do que uma situação caracterizada por variações de -0,01% por dois trimestres consecutivos, por exemplo.
Assim, a datação dos ciclos econômicos é uma tarefa muito mais complexa do que simplesmente observar a evolução trimestral do PIB, demandando a análise de outras variáveis para além do PIB agregado, tais como a taxa de desemprego e a Formação Bruta de Capital Fixo, entre outras.
Ademais, há recessões e recessões. Depois de termos enfrentado duas grandes recessões globais em um espaço de uma década (grande crise financeira, em 2008/09, e pandemia, em 2020), muitas pessoas acabam associando a palavra "recessão" a choques negativos muito expressivos como aqueles. Mas há recessões muito mais suaves, em que o PIB nem chega a recuar, apenas desacelera, gerando algum aumento da taxa de desemprego.
De um modo geral, recessões associadas a crises financeiras ou estouros de bolhas de crédito (isto é, períodos nos quais a expansão do crédito é exagerada, com forte aumento do endividamento de famílias e empresas) são aquelas mais severas, tanto em termos de tamanho do tombo da atividade na fase recessiva como em termos da recuperação.
E o que leva os países a uma recessão? Em algumas situações, são fatores não econômicos, como foi o caso da pandemia, ou guerras, entre vários outros possíveis. Instabilidade política, quando muito acentuada, pode gerar uma recessão ou aprofundá-la.
Entre os fatores econômicos, vale mencionar os achados de um estudo recente, de autoria de Joshua Aizenman e outros autores. Usando dados de 101 países entre 1990 e 2022, eles concluíram que dívidas públicas e/ou déficits fiscais muito elevados, crescimento exagerado da concessão de crédito, ser importador líquido de combustíveis (em momentos de forte elevação dos preços do petróleo no mercado internacional) e grande pressão cambial (muitas vezes decorrentes de déficits em conta-corrente elevados e crescentes) aumentam a probabilidade de ocorrência de uma recessão.
Temos hoje no Brasil várias dessas condições -o que não significa dizer que teremos outra recessão nem que ela será como aquela de 2014/16, a qual foi gerada pelos fatores listados acima, mas foi aprofundada por outros fatores, como os impactos indiretos da Lava Jato (ver trabalho recente de Claudio Ferraz, Lars Norden, Luiz Moura e Ricardo Schechtman indicando isso), um El Niño extremamente forte em 2015/16 (que levou a uma queda de mais de 5% do PIB agropecuário em 2016, com reflexos negativos sobre o restante da economia) e mesmo o incidente de Mariana (final de 2015).
Mestre em teoria econômica pela FEA-USP, é economista-sênior da LCA 4intelligence e pesquisador-associado do FGV IBRE