Solange Srour, diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management
A inflação, que tanto subiu em 2020 e 2021 com a disrupção das cadeias produtivas e a guerra, começou a cair rapidamente em muitos países a partir de meados de 2022 -sem perdas expressivas de produto. Naquele momento, o consenso entre economistas era que trazer a inflação de volta à meta exigiria uma recessão ou, no mínimo, uma deterioração relevante no mercado de trabalho.
Desde então, ganhou força a crença de que seria possível conter o avanço dos preços sem impor à sociedade o custo associado aos ciclos de aperto monetário. Essa leitura tende a negligenciar um ponto fundamental: em vez de retornar à trajetória do período pré-pandemia, os preços se estabilizaram em um novo nível, bem mais elevado. Nos Estados Unidos, por exemplo, o índice de preços PCE acumulou alta de cerca de 17 pontos percentuais entre o início de 2021 e 2025 -aproximadamente 8 pontos porcentuais acima do que teria ocorrido caso a inflação tivesse permanecido em 2% ao ano.
No regime de metas de inflação, os bancos centrais não devem mirar o nível de preços. Trata-se de um modelo com vantagens importantes em termos de clareza, comunicação e flexibilidade diante de choques. Ainda assim, ignorar completamente os efeitos persistentes sobre o nível de preços pode ser um erro.
Quando a inflação é controlada a partir de um novo platô, a sociedade passa a conviver permanentemente com um custo de vida mais alto, o que, por sua vez, tende a gerar novos riscos inflacionários.
Grandes aumentos no nível de preços têm potencial para influenciar a definição de salários e preços. As empresas passam a ajustar os preços mais rapidamente em resposta a choques futuros, enquanto as famílias ficam mais atentas a quaisquer mudanças subsequentes e os trabalhadores tornam-se mais assertivos nas negociações salariais. A trajetória da inflação pode parecer benigna a curto prazo, mas, caso as expectativas se desancorem, a dinâmica inflacionária futura fica comprometida. Esse processo de transmissão depende, em grande medida, do grau de aquecimento da atividade econômica.
A discussão é especialmente relevante quando o próprio Fed enfrenta questionamentos sobre sua credibilidade, ao mesmo tempo em que se consolida um amplo consenso de que o choque das tarifas será temporário -afetando apenas o nível de preços, sem impacto mais persistente sobre a inflação. A condução da política monetária torna-se ainda mais complexa diante das mudanças na composição do comitê e da proximidade do término do mandato do presidente Jerome Powell.
Nos últimos dias, o mercado passou a atribuir alta probabilidade a um corte de juros já em setembro, reagindo à revisão para baixo nos dados de criação de vagas de trabalho. No entanto, é preciso cautela na interpretação: a desaceleração na contratação pode refletir não apenas menor demanda por mão de obra mas também um esgotamento de sua oferta. A força de trabalho vem sendo restringida por fatores como a queda da imigração, impulsionada por políticas migratórias mais restritivas -o que sugere que a menor geração de empregos talvez seja, de fato, resultado de um choque de oferta. Se esse diagnóstico estiver correto, o mercado pode estar superestimando o espaço para cortes de juros sem risco inflacionário.
O pós-pandemia mostrou que é possível desinflacionar com menos dor, mas ignorar desvios sistemáticos em relação à meta de inflação pode comprometer a sustentação dos resultados a médio prazo.