Solange Srour, diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management
No exterior, a lista de riscos é extensa: escalada do conflito no Oriente Médio, deterioração das contas públicas dos Estados Unidos, crescimento global em desaceleração e incertezas persistentes sobre o futuro do comércio global. Mesmo assim, os ativos performaram com uma calma que desafia qualquer modelo tradicional de precificação de risco.
As Bolsas dos EUA acumulam alta superior a 20% desde abril, as taxas dos Treasuries de 10 anos se estabilizaram em torno de 4,4% e o petróleo tem ficado em torno de US$ 75 por barril.
No Brasil, o episódio da tentativa de elevar o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) escancarou dois fatos inquestionáveis para nossa trajetória fiscal. Primeiro, o governo terá dificuldades de cumprir as metas do arcabouço fiscal recorrendo a qualquer aumento de impostos -mesmo aqueles que não necessitam passar pelo Congresso. Segundo, parece não haver, até agora, disposição para enfrentar o crescimento das despesas obrigatórias. Restou, mais uma vez, a promessa de cortar benefícios fiscais -discurso antigo, tentado inúmeras vezes, e que nunca se materializou.
O que chama atenção não é a ausência de riscos. Pelo contrário: eles talvez nunca tenham sido tão abundantes. O que impressiona é a ausência de reação a esses riscos. E é difícil, para qualquer analista ou investidor, não se perguntar: estamos diante de uma subestimação generalizada dos riscos? Ou o mercado faz uma leitura mais sofisticada, separando riscos conjunturais dos estruturais?
Talvez os investidores estejam ainda digerindo as diversas consequências, muitas vezes em direções opostas, do excesso de choques sucessivos desde a pandemia. O volume de más notícias é tão grande que, muitas vezes, o melhor é apostar que o pior cenário será evitado por governos minimamente responsáveis.
O grande "porém" é que nenhum dos choques, isoladamente, parece ser suficientemente grande para derrubar os mercados, mas a soma de todos eles, ao longo do tempo, pode ser corrosiva, lenta e muito mais perigosa. O mundo tende a caminhar para um processo de menor integração econômica e com instituições multilaterais aparentemente mais fracas.
No caso brasileiro, há quem aposte que, superado o ciclo eleitoral, o país será forçado -pelo bem ou pela dor- a corrigir sua trajetória fiscal. O Brasil já se debruçou no abismo algumas vezes, mas nunca deu o salto. E talvez o mercado esteja apostando que, de novo, o desfecho será esse.
Além disso, parte dos riscos externos acaba jogando a favor dos emergentes. Com uma Selic elevada e um dólar globalmente mais fraco, o real se valoriza, ajudando a conter a inflação e abrindo espaço para um início -ainda que tímido- do ciclo de corte de juros. E, em um mundo mais arriscado, ser um grande exportador de commodities segue sendo uma proteção relevante, apesar da fragilidade fiscal doméstica.
O mercado pode até estar certo em não reagir no curto prazo. Mas é difícil ignorar que, enquanto isso, vamos acumulando desequilíbrios que silenciosamente fragilizam a economia para os próximos anos. A complacência atual, se for estendida, pode adiar as respostas necessárias dos governos e ampliar o custo dos ajustes indispensáveis no médio prazo.
Se há uma lição clara desse momento é esta: o fato de o mercado não reagir não significa que os riscos não existem. Pelo contrário, a apatia pode torná-los ainda mais perigosos.