Bráulio Borges, Mestre em teoria econômica pela FEA-USP, é economista-sênior da LCA Consultores e pesquisador-associado do FGV IBRE
Donald Trump continua insistindo na ideia de que o Canadá deveria se tornar o 51º estado dos Estados Unidos da América. Essa ameaça à soberania do país vizinho, em conjunto com a guerra tarifária iniciada ainda em janeiro deste ano, já trouxe ao menos uma implicação prática: nas eleições canadenses realizadas nesta semana, o Partido Liberal, de centro-esquerda, "renasceu das cinzas" e saiu vitorioso.
Até o começo deste ano, as pesquisas vinham indicando que o Partido Conservador, de centro-direita, venceria as eleições com uma folga razoável, tirando os liberais do comando político do Canadá (onde estão desde 2015).
Embora seja uma ideia completamente sem sentido -como várias outras do atual presidente dos EUA-, achei que seria pertinente tentar responder o seguinte questionamento: o Canadá teria algum ganho caso se tornasse um estado dos EUA?
Alguns afobados responderiam que "sim", tomando por base apenas o nível e a evolução do PIB per capita de ambos os países. Segundo dados do Banco Mundial, em 2023 o PIB per capita dos EUA foi de cerca de US$ 74 mil, quase 30% superior ao do Canadá, de US$ 57 mil (em ambos os casos, já ajustados pela paridade do poder de compra e a preços de 2021).
Além de maior, a evolução nos EUA foi mais favorável: entre 2015 e 2023, o PIB per capita no país avançou cerca de 18%, contra apenas 2% no Canadá.
Não obstante, embora o PIB per capita apresente uma correlação elevada com os níveis de bem-estar da população de um país, sabemos que ambos não são sinônimos perfeitos. O índice de felicidade e satisfação com a vida dos canadenses tem sido superior ao dos EUA há quase 15 anos, desde que teve início o cálculo desse indicador. E não é difícil entender o porquê disso.
Enquanto a taxa de homicídios nos EUA é de cerca de 6 por 100 mil habitantes, no Canadá ela é de pouco mais de 2. Já no caso da taxa de suicídios, ela é de cerca de 14 por 100 mil nos EUA (e sobe há mais de duas décadas) e de 8 no Canadá (e vem caindo).
Em termos de longevidade, a expectativa de vida no Canadá continua subindo e para todos os grupos de renda, chegando a quase 83 anos nas estimativas mais recentes. Já nos EUA, esse indicador está relativamente estagnado há algum tempo, em torno de 79 anos. No que toca à educação, a nota média dos alunos de ensino médio do Canadá na prova internacional PISA, tanto em leitura como em matemática, tem sido sistematicamente superior àquela dos EUA.
Voltando aos indicadores econômicos, o desempenho macroeconômico do Canadá é muito mais sustentável do que aquele dos EUA. Segundo o FMI, a dívida pública líquida canadense foi de apenas 12% do PIB em 2023, em tendência de queda meados dos anos 1990, ao passo que o endividamento líquido nos EUA está em quase 100% do produto e sobe há mais de duas décadas. Do mesmo modo, o passivo externo líquido do EUA continua aumentando expressivamente há quase três décadas, ao passo que o Canadá é credor externo líquido.
Mesmo em termos de instituições econômicas, o índice de liberdade econômica da Heritage Foundation (um think tank conservador) aponta, na leitura referente a 2025, que o Canadá é mais "livre" do que os EUA (75,5 vs 70,2). Sim, é verdade que esse indicador recuou nos EUA desde 2021 (estava em torno de 76 entre 2012 e 2020). Contudo, desde 2008 o Canadá tem sido mais "livre" do que os EUA.
Com efeito, os EUA é que ganhariam incorporando vários aspectos das instituições econômicas e do estado de bem-estar social canadense, e não o contrário.