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Opinião Econômica

Publicada em 05 de Maio de 2025 às 00:25

Uma nova ordem global se aproxima

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Agências
"Em economia, as coisas levam mais tempo para acontecer do que você pensa, mas depois acontecem mais rapidamente do que você imaginava."
"Em economia, as coisas levam mais tempo para acontecer do que você pensa, mas depois acontecem mais rapidamente do que você imaginava."
A célebre frase de Rudi Dornbusch, um dos grandes economistas do século 20, sintetiza bem a natureza dos efeitos das políticas econômicas: muitas vezes tardios para se manifestar, mas, quando ocorrem, podem ser mais intensos, difíceis de administrar e, algumas vezes, irreversíveis.
Hoje, o consenso entre analistas aponta para uma nova realidade: qualquer que seja o patamar de tarifas que prevaleça, ele será bem mais alto do que o previsto, representando um choque negativo de oferta para os Estados Unidos -e de demanda para o restante do mundo.
Para o consumidor americano, o impacto tende a se materializar em preços persistentemente mais altos. O efeito inflacionário poderá ser temporário ou mais duradouro, a depender da dinâmica das expectativas, da condução da política fiscal e do comportamento do dólar. Já para o restante do mundo -especialmente para a China-, o ambiente tende a ser mais desinflacionário, refletindo a retração da demanda externa, componente importante da demanda agregada.
Essa leitura se sustenta no curto prazo, mas, olhando para um horizonte mais longo, o cenário é mais desafiador. Estamos diante da construção de uma nova ordem global, caracterizada por uma menor interdependência econômica global, com consequências econômicas e geopolíticas bastante significativas.
Muitos traçam paralelos entre o atual redesenho das cadeias de produção e as disrupções vividas durante a pandemia da Covid-19. Mas os dois episódios têm naturezas distintas.
Na pandemia, o estresse sobre as cadeias de suprimento foi provocado por mudanças abruptas na composição da demanda -um aumento no consumo de bens e uma queda nos serviços-, revertidas rapidamente após a reabertura das economias. O impacto foi relevante, mas transitório: os gargalos logísticos se dissiparam com o tempo, permitindo a recuperação da atividade e uma redução gradual das pressões inflacionárias.
O que estamos vivendo agora é bem diferente. Embora os argumentos da política tarifária tenham um viés protecionista, os objetivos vão muito além do retorno das indústrias ao território americano; envolvem questões muito maiores, como competição estratégica e a segurança nacional. Trata-se, sobretudo, de uma mudança estrutural, impulsionada por uma agenda de desacoplamento gradual das redes globais de comércio e por uma percepção de que os americanos não desejam mais assumir o papel de fornecedor de segurança -no sentido estrito do termo financeiro- para o mundo de forma "gratuita".
Os EUA não parecem dispostos a continuar a ser o porto seguro do mundo, mesmo com todos os benefícios que a posição de emissor da moeda de reserva global historicamente proporcionou, como financiamento barato e abundante.
O fato é que essas rupturas podem comprometer os ganhos de eficiência e a estabilidade financeira que sustentaram décadas de crescimento global com baixa inflação, a chamada era da "Grande Moderação".
Somam-se a isso outros desenvolvimentos preocupantes: a politização das decisões de política monetária, o aumento da insegurança jurídica e o enfraquecimento das instituições multilaterais.
Parece que estamos, portanto, diante de um choque estrutural e de resultados ainda pouco previsíveis. A desaceleração global nos próximos anos pode, na verdade, ser o menor dos problemas.

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