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Opinião Econômica

Publicada em 08 de Janeiro de 2025 às 20:03

A inação fiscal pode custar caro

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Folhapress
Solange Srour
Solange Srour
O Brasil inicia 2025 em meio a uma profunda crise de confiança, cujos efeitos adversos inevitavelmente se manifestarão, mais cedo ou mais tarde, no crescimento econômico e na inflação.
Para evitar esse cenário, seria necessária uma mudança substancial na política fiscal. No entanto tudo indica que, até que o país se veja diante de dificuldades mais agudas, pouco ou nada será feito.
Reformas essenciais para garantir o controle dos gastos e a sustentabilidade da dívida em horizonte viável exigem consenso político e social que, historicamente, só se torna possível quando a gravidade da crise provoca insatisfação generalizada na população.
Nos EUA, por exemplo, as reformas implementadas por Ronald Reagan entre 1981 e 1989, conhecidas como "Reaganomics" -baseadas na redução de impostos, cortes de gastos (exceto na área de defesa), diminuição do papel do governo, desregulamentação, entre outras medidas- não eram ideias novas.
Contudo o eleitorado americano demorou a abandonar o consenso keynesiano do pós-guerra. Foi necessário uma combinação de inflação e desemprego extremamente elevados para que a população aceitasse uma ruptura abrupta com o modelo vigente.
De maneira similar, o Reino Unido sofreu uma crise dramática antes de os eleitores darem apoio irrestrito ao governo de Margaret Thatcher.
As reformas neoliberais da premiê só foram implementadas a partir de um cenário com inflação alta -que ultrapassava 20% no final da década de 1970-, paralisação do país por uma onda de greves em setores essenciais, perda do poder geopolítico da antiga potência e o polêmico empréstimo solicitado ao FMI em 1976.
Hoje países como Inglaterra, França e Alemanha parecem aprisionados em modelos econômicos falhos. Mas, apesar do desconforto com o status quo, suas condições econômicas ainda não são suficientemente graves para justificar os custos das reformas indispensáveis. Em contrapartida, os países do sul da Europa, como Espanha, Grécia e Portugal, apresentam um cenário mais positivo, em função das reformas realizadas em diversas frentes sob forte pressão durante a avassaladora crise da Zona do Euro em 2010.
Quando olhamos o Brasil, observamos que frequentemente precisamos enfrentar crises profundas para implementar reformas, como o Plano Real de 1994, a instituição da Lei de Responsabilidade Fiscal e as alterações na Previdência em governos distintos. A criação do teto de gastos só foi possível após um período de intensa instabilidade econômica que gerou a maior recessão da nossa história.
Hoje a resposta fiscal passa necessariamente por mudança no crescimento dos gastos obrigatórios. A agenda seguinte precisará abranger redesenho completo de todos os benefícios sociais, que hoje não reduzem a desigualdade como deveriam e, em alguns casos, favorecem a concentração de renda. E será imprescindível nova reforma da Previdência.
Líderes políticos devem agir com visão de longo prazo, adotando uma postura preventiva para corrigir problemas antes que se agravem. É papel do Executivo, na figura do presidente, conduzir esse processo, repartindo o protagonismo com o Congresso, ciente do desafio de lidar com um Legislativo cada vez mais independente no campo orçamentário.
Infelizmente, a história tem mostrado que, muitas vezes, mudanças indispensáveis só acontecem quando o custo da inação já é muito alto. Esse deverá ser nosso caminho nos próximos dois anos.
Diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management

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