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Opinião Econômica

Publicada em 26 de Dezembro de 2024 às 19:38

Resposta a Celso sobre política fiscal

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Samuel Pessôa
Samuel Pessôa
Meu amigo Celso Rocha de Barros perguntou-me o que fazer para arrumar a política fiscal. Segue, com alguns ajustes, minha resposta. Desde já vai meu agradecimento a Celso por me dar a oportunidade de organizar as ideias.
Diagnóstico: o problema é o mesmo do período anterior, que levou à nossa grande crise de 2014 até 2016: as regras existentes para a evolução do gasto obrigatório do governo central demandam que a despesa, sistemática e permanentemente, cresça a uma taxa superior à taxa de expansão da economia. A trajetória do gasto é insustentável.
Dois são os mecanismos que causam insustentabilidade. Primeiro: a regra de valorização do salário mínimo. As políticas públicas vinculadas ao mínimo o piso dos benefícios do RGPS (Regime Geral de Previdência Social) e alguns importantes programas da assistência social crescem pela soma da taxa de crescimento do número de benefícios com a taxa de crescimento do valor real do salário. O número desses benefícios cresce à taxa de 2% a 3% ao ano. O potencial de crescimento da economia está entre 2% e 3%. Se o salário mínimo aumenta em termos reais, necessariamente o gasto público total das políticas públicas vinculados ao benefício (fatia muito grande do Orçamento) crescerá a uma taxa superior à taxa de expansão da economia.
Uma proposta: indexar o salário mínimo ao IPCA, e, anualmente, o Congresso Nacional, a partir da existência de espaço fiscal, decidir o crescimento real do benefício. Enquanto a dívida pública crescer e/ou estiver maior do que um valor de X% a ser decidido pelo Congresso, o mínimo não poderá se elevar em termos reais.
A mesma regra deveria se aplicar para a alteração do limite de isenção do IRPF: amplia-se o limite de isenção, mas o novo limite somente valerá após a mudança na dinâmica da dívida pública.
A segunda fonte de insustentabilidade da política fiscal é a vinculação do gasto mínimo constitucional em saúde e educação à receita corrente líquida (RCL). Dois problemas: 1) a RCL é variável (muito volátil), e o gasto em saúde e educação é estável. Não é possível vincular a evolução do gasto em saúde e educação a uma base volátil; 2) essa regra dificulta muito um ajuste fiscal por meio de elevação da receita. O aumento da receita automaticamente eleva parte do gasto, neutralizando boa parcela do ajuste fiscal.
Proposta: adotar para os mínimos constitucionais de saúde e educação a mesma regra do arcabouço fiscal: 70% do crescimento da RCL, com piso e teto. O piso e o teto reduzem muito a volatilidade da RCL.
As propostas explicitam a dificuldade que temos. Elas essencialmente restabelecem boa parcela das instituições fiscais do governo Temer (mantêm, no entanto, o arcabouço fiscal implantado por Lula 3, que é mais flexível do que o teto dos gastos). Essas instituições tinham sido rejeitadas pela sociedade. Ou seja, temos um impasse.
Nossa economia política pede algo que a economia não consegue entregar: gasto público que cresce permanentemente acima da economia, sem que a carga tributária cresça permanentemente e sem que a dívida pública cresça indefinidamente. A instabilidade dos mercados segue do reconhecimento desse impasse e da falta de apetite da liderança do país em arbitrar uma saída que reconstrua a sustentabilidade da política econômica.
Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP.

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