Bernardo Guimarães
Suponha que uma mudança na legislação faça com que a jornada de trabalho dos porteiros de edifícios passe de 6 para 5 dias por semana e que, de início, os salários mensais devam ser mantidos.
Prédios que empregavam 5 porteiros precisarão de 6 pessoas para fazer o mesmo trabalho. A medida, portanto, encarece o custo desse serviço. Assim, a mudança na legislação gera dois efeitos, que agem em direção opostas.
O primeiro é que alguns condomínios vão decidir trocar o serviço presencial de porteiros por um serviço de portaria remota, que utiliza tecnologia avançada para monitorar o edifício e emprega muito menos gente. Haverá demissões.
O segundo é que os condomínios que decidirem manter o serviço presencial de porteiros vão precisar de mais uma pessoa. Haverá contratações.
Vai haver mais demissões ou contratações? Aí depende de quanta gente vai trocar para o serviço de portaria remota. Eu não sei, e não acho que a gente saiba.
Se, com o salário mensal atual, houver mais contratações que demissões, o salário subirá. Se houver mais demissões, o salário cairá. Se a legislação determina que os salários devem ser mantidos, de início mais pessoas vão para o desemprego e para a informalidade, e, com o passar do tempo, essas pessoas vão entrar no mercado formal com salários menores.
Em suma, a mudança na lei torna o serviço de portaria presencial mais caro. Isso reduz a demanda por esse serviço e aumenta a demanda por outro que usa menos trabalho e mais tecnologia. O salário por dia trabalhado deve subir, mas o que acontece com o salário mensal depende de quanto a demanda reage ao preço do serviço.
Agora, vamos considerar que a lei afete outros setores da economia. Aí, surge mais um efeito.
As farmácias que empregavam pessoas trabalhando seis dias por semana serão afetadas da mesma forma. Com o tempo, devemos ter menos farmácias, talvez mais venda online, e as farmácias que continuarem operando vão contratar mais gente ou usar mais tecnologia. De qualquer forma, os custos aumentarão.
Assim como o serviço de portaria presencial ficará mais caro, os custos de bens e serviços desses outros setores afetados também ficarão. Em geral, com o tempo, isso se refletirá em preços mais altos.
Assim, se vários setores são afetados, temos realocações de pessoas na economia entre setores, o salário pode ir para qualquer lado, mas vários preços aumentam. Isso torna mais difícil que o salário mensal real seja mantido, mas tudo depende de como mudanças nos custos do trabalho afetam a demanda por trabalho.
Em geral, é difícil estimar esses efeitos. Um trabalho que consegue isolar e identificar esse impacto mostra que na França, há 40 anos, uma redução na jornada de trabalho gerou desemprego.
Não é claro, porém, se o resultado se aplica ao Brasil de hoje. Sim, hoje há muita tecnologia para substituir trabalho, mas a pergunta é sobre quanto essa substituição é sensível ao salário.
Eu acho que nós não sabemos.
A maioria das pessoas no debate aparenta ter muita certeza sobre o que deve ser feito. Creio que estejam errados. Deveríamos reconhecer a incerteza, considerar mudanças pequenas, graduais e aprender com a experiência.
Doutor em economia por Yale, foi professor da London School of Economics (2004-2010) e é professor titular da FGV EESP