Cecilia Machado, economista-chefe do Banco BOCOM BBM e professora da EPGE (Escola Brasileira de Economia e Finanças) da FGV
Uma discussão madura sobre como devem ser priorizadas os recursos do Orçamento precisa levar em conta uma avaliação criteriosa dos objetivos, dos custos e dos benefícios envolvidos em cada gasto ou renúncia tributária.
Algumas políticas são implementadas com objetivos bem definidos e possuem análises de custo-benefício que mostram que elas geram ganhos bastante claros para a população. Gastos com saúde, educação e assistências são exemplos disso, por mais que haja espaço para aperfeiçoamentos e melhorias de desenho e implementação.
Outras políticas, geralmente voltadas a grupos ou setores específicos, geram benefícios duvidosos a um custo fiscal elevado, como acontece nos inúmeros casos de desonerações ou isenções fiscais seletivas. Esse é o caso do Perse. E sua recente renovação mostra que ainda fazemos uma discussão superficial sobre a alocação e priorização do orçamento público, com pouca ênfase no que se obtém em relação ao quanto se paga.
O Perse foi criado para ajudar empresas do setor de eventos a mitigar as perdas decorrentes da Covid-19. Já em sua origem, em 2021, faltavam justificativas convincentes para direcionar um benefício ao segmento, tendo em vista que o setor de eventos não foi o único (nem o mais) adversamente impactado pela pandemia. Mas a sua continuidade em pleno 2024, quando a economia e o próprio setor de eventos dão sinais de forte recuperação, causa ainda mais estranheza.
A pouca clareza de objetivos é acompanhada por um enorme desconhecimento dos custos associados ao programa ao longo de sua duração. As estimativas para 2023 vão desde R$ 6,5 bilhões, de acordo com estudo encomendado pelo setor de eventos, até R$ 13 bilhões, de acordo com avaliação da Receita Federal.
Por mais que a proposta esteja agora limitada ao valor de R$ 15 bilhões até o final de 2026 -um ponto de consenso entre Executivo e Legislativo que permitiu sua renovação-, os benefícios do Perse seguem largamente desconhecidos.
Não há, até o momento, nenhuma estimativa dos ganhos que o programa gerou nem explicação sobre por que o valor de R$ 15 bilhões é um limite apropriado. E se um programa não gera benefícios claros e desejáveis para sociedade -com ganhos apropriados apenas para o grupo de interesse que é favorecido-, não se deveria alocar nenhum recurso a ele.
As avaliações dos benefícios e da efetividade das políticas públicas continuam passando ao largo das decisões de alocação do orçamento público. E o Perse não é um caso isolado. Um outro exemplo está na discussão sobre a desoneração da folha de pagamentos, levada recentemente à avaliação do Judiciário após discordâncias entre Executivo e Legislativo sobre a renovação desse programa.
Na decisão proferida pelo ministro Zanin, que suspendeu a desoneração da folha e submeteu sua decisão para avaliação do plenário do STF, o entendimento foi o de que a lei não atendeu à condição estabelecida na Constituição Federal de que para a criação de despesa obrigatória é necessária a avaliação do seu impacto orçamentário e financeiro.
Certo, mas a desoneração da folha de pagamentos, instituída em 2011, também é uma política que vem sendo renovada de forma contínua com argumentos pouco convincentes, relacionados tanto à sua eficácia e quanto ao seu objetivo.
Garantir o equilíbrio fiscal é condição necessária, porém não suficiente, para que as políticas públicas possam promover o crescimento e a redução das desigualdades.
A renovação de políticas públicas que começam a adquirir caráter mais permanente precisa não apenas garantir o equilíbrio fiscal, mas também promover o melhor uso de recursos públicos escassos.
Folhapress