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Opinião Econômica

- Publicada em 04 de Abril de 2024 às 20:02

Desequilíbrio fiscal americano e riscos para a economia global

A eleição para a Presidência dos EUA é apontada como um dos maiores riscos geopolíticos para os próximos anos. No entanto, sua relevância não está restrita às ameaças de tarifas e guerras comerciais. Uma questão importantíssima para a economia global é como o desequilíbrio fiscal do país será endereçado pelo próximo governo.
A eleição para a Presidência dos EUA é apontada como um dos maiores riscos geopolíticos para os próximos anos. No entanto, sua relevância não está restrita às ameaças de tarifas e guerras comerciais. Uma questão importantíssima para a economia global é como o desequilíbrio fiscal do país será endereçado pelo próximo governo.
O crescimento acelerado da dívida americana -hoje tão grande quanto o seu PIB- e as projeções de que tal processo não será contido tão facilmente são fatores que geram uma pressão altista para as taxas de juros dos EUA de longo prazo, que, por sua vez, afetam o crescimento e as taxas de juros globais.
A última vez que a dívida americana como proporção do PIB atingiu o atual patamar foi em 1945-1946, no fim da Segunda Guerra Mundial. Nas três décadas seguintes, a relação dívida/PIB caiu constantemente, chegando a cerca de 25% em 1975. Esse declínio contrasta fortemente com o aumento projetado para os próximos 30 anos: A relação dívida/PIB deve atingir 166% em 2054, de acordo com as mais recentes projeções do CBO (órgão apartidário responsável por fornecer análises fiscais e econômicas ao Congresso americano). Por que tamanho pessimismo com o futuro?
A variação dessa relação ao longo do tempo depende de dois componentes: a evolução dos resultados primários futuros (déficits e/ou primários) e a diferença entre a taxa de juros real paga pela dívida e a taxa de crescimento do PIB. O declínio da dívida/PIB após a Segunda Guerra Mundial resultou de uma combinação da eliminação do déficit primário e de um maior crescimento econômico comparado aos juros.
Hoje, há um ceticismo muito grande com a possibilidade de reversão do atual déficit primário norte-americano -que fechou 2023 em 3,8%- e vem crescendo significativamente desde o final da Grande Crise Financeira. Com base nas regras atuais, a projeção para a relação despesas/PIB em 2054 é de 21,1%, e, para a arrecadação/PIB, de 18,8%.
É evidente a necessidade de uma combinação de aumentos de impostos com um crescimento mais lento dos gastos obrigatórios. Contudo, essa discussão está completamente ausente do debate eleitoral.
De um lado, há propostas de manutenção dos cortes de impostos realizados em 2017 que deveriam, em sua maioria, ser revertidos em 2027; e, de outro, mais projetos para a extensão de subsídios para infraestrutura, transição energética e política industrial.
As atuais fórmulas que definem os gastos da Previdência Social e da Saúde (especialmente o Medicare), combinadas com o envelhecimento da população, apontam para um forte aumento dos gastos no futuro, pressão essa que estava ausente em 1945 -a população dos EUA era mais jovem, e o Medicare só foi criado em meados de 1965.
E o outro fator-chave para as perspectivas do índice de endividamento, a diferença da taxa de crescimento econômico em comparação com a taxa de juros que incide sobre a dívida? O CBO projeta um crescimento real do PIB de longo prazo de 1,6% e uma taxa de juros real em torno de 2%; este último baseado em uma taxa de juro nominal projetada perto de 4% e taxa de inflação de 1,9%.
A taxa de juro projetada é bem mais alta do que a das últimas décadas justamente pelo fato de o desequilíbrio fiscal não ser resultado de gastos extraordinários com defesa, o que aumenta o prêmio exigido pelos investidores para carregar a dívida americana. Ou seja, esse fator deve contribuir com uma pressão altista para a razão dívida/PIB.
É verdade que o status do dólar como principal moeda de reserva do mundo (o chamado "privilégio exorbitante") é uma vantagem, mas, por si só, não permite aos EUA adiar o ajuste fiscal necessário indefinidamente ou manter inalterado seu custo de financiamento. Dependendo da política fiscal adotada pelo próximo presidente e de suas propostas estruturais de médio prazo, podemos ter como consequência novos aumentos nas taxas de juros americanas e globais de longo prazo.
Para os países emergentes, um aumento dos juros globais tende a gerar uma maior volatilidade e uma menor disposição para investimentos. No Brasil, em particular, 2025 será um ano especialmente desafiador para o cumprimento da meta de primário (mesmo que modificada) e para a manutenção do teto de despesas. Um risco que correremos é ver o quanto esse desequilíbrio fiscal americano pode encarecer o custo do nosso próprio desequilíbrio fiscal.
Economista-chefe de Brasil do banco Credit Suisse. É mestre em economia pela PUC-Rio