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Opinião Econômica

- Publicada em 21 de Setembro de 2023 às 19:56

À espera do ajuste fiscal

Economista-chefe de Brasil do banco Credit Suisse. É mestre em economia pela PUC-Rio.
Economista-chefe de Brasil do banco Credit Suisse. É mestre em economia pela PUC-Rio.
Apesar das surpresas positivas com os números recentes de atividade econômica e com uma desaceleração maior e qualitativamente melhor da inflação corrente, o humor do mercado doméstico não tem acompanhado o "soft landing" brasileiro -cenário de continuidade de queda de juros com melhora na perspectiva de PIB.
Se, de um lado, a avaliação do cenário externo piorou com a alta dos juros globais, de outro as incertezas sobre nossas contas públicas aumentaram nas últimas semanas. Os juros reais de longo prazo voltaram a subir e as expectativas de inflação de médio prazo, que em geral acompanham em algum grau o comportamento da inflação de curto prazo, continuam estacionadas, acima da meta de 3%, em 3,5%.
O aumento da preocupação com o cenário fiscal não está restrito à percepção de uma possível maior dificuldade no cumprimento da meta do governo de zerar o déficit primário no ano que vem, calcado basicamente no incremento de impostos. Conseguir receitas primárias de R$ 168,5 bilhões no curto intervalo de um ano sempre foi visto como façanha, por causa não só da necessidade de construir uma base de apoio significativa no Congresso mas também da possibilidade de questionamentos de teses jurídicas e da continuidade de disputas na Justiça entre contribuintes e a União.
Infelizmente, enquanto o Congresso se debruça sobre a urgência de tramitar as medidas arrecadatórias emergenciais, a Reforma Tributária, que poderia trazer um aumento de produtividade e crescimento de longo prazo, pode ser prejudicada.
No entanto, além das projeções otimistas das receitas, o que tem começado a preocupar é o comportamento das despesas e suas perspectivas para os próximos anos. Independentemente da discussão meritória sobre o subdimensionamento de algumas despesas para o ano que vem, como a relativa aos benefícios previdenciários, o que mais chama a atenção é o andamento da chamada "pauta bomba" no Congresso.
O exemplo mais recente é a PEC aprovada por unanimidade no Senado, com apoio do líder do governo no Congresso, que incorpora na folha de pagamentos do governo federal até 50 mil servidores dos antigos territórios de Rondônia, Amapá e Roraima, ao custo estimado de R$ 6,3 bilhões por ano. O projeto abrange inclusive pessoas que trabalhavam sem vínculo efetivo com a administração pública direta.
No mês passado, a Câmara aprovou a prorrogação da desoneração da folha de pagamentos para 17 setores da economia até o fim de 2027, conforme o esperado (a discussão deveria ter sido feita no bojo da Reforma Tributária, com o objetivo de eliminar distorções e incentivar o trabalho formal). Foi incorporada também ao projeto a diminuição da contribuição previdenciária de todos os municípios, valendo igualmente até 2027, com alíquotas progressivas de acordo com o PIB (Produto Interno Bruto) de cada cidade sem estimativas do custo da medida. A medida foi baseada em um projeto de lei de 2021, apresentado pelo líder do governo no Senado, que estabelecia a criação de um "Simples Municipal".
Paralelamente, já se discute dentro do governo um Refis para as dívidas previdenciárias dos municípios. Também na Câmara, vemos avançando discussões em torno de alterações na figura do MEI (Microempreendedor Individual) -com ampliação do limite anual de faturamento da categoria- e de uma nova faixa de alíquota para o Simples Nacional.
Para além das possíveis bombas fiscais, temos visto a velha história de sempre: o socorro aos estados e municípios quando as suas arrecadações começam a sofrer. No PLP 136, aprovado na Câmara para compensar as perdas dos estados e municípios com a desoneração dos combustíveis e energia, concedida pelo governo anterior, tivemos não só o ressarcimento do valor acertado com o STF de R$ 27 bilhões mas também a decisão de que os valores a maior recebidos por alguns estados por via judicial -que somam R$ 6,5 bilhões- não serão devolvidos à União neste momento, além da antecipação de R$ 10 bilhões que seriam pagos em 2024 e transferências extras para os fundos de participação dos estados e municípios a título de compensação pela queda da arrecadação.
Nosso desafio de estabilizar a dívida como proporção do PIB ficou bem mais complexo desde a aprovação, no fim do ano passado, da PEC da Transição, que permitiu um aumento dos gastos em cerca de 2% do PIB.
Adicionalmente, a volta da regra de indexação do salário mínimo ao crescimento do PIB e da vinculação dos gastos com educação e saúde à receita aumentou bastante a rigidez do Orçamento. A novidade das últimas semanas é o andamento de uma pauta nada fiscalista no Congresso, com apoio da base do governo. Mas, como sempre, é preciso o ambiente externo se mostrar mais incerto para que a cautela prevaleça nos mercados.