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Opinião Econômica

Opinião Econômica

- Publicada em 24 de Maio de 2023 às 21:09

Queremos estímulos para a produção de carros?

Bernardo Guimarães
Bernardo Guimarães
Doutor em economia por Yale, foi professor da London School of Economics (2004-2010) e é professor titular da FGV EESP.
O governo está considerando um pacote de medidas para estimular a produção de carros que terão preço entre R$ 50 mil e R$ 60 mil.
Políticas como essa afetam: 1) a economia como um todo e 2) a distribuição de recursos na economia. É muito útil atentar para esses dois efeitos separadamente.
O foco da discussão, em geral, é o segundo efeito. Ao ler sobre propostas para a economia, nós começamos a pensar sobre quem ganha e quem perde. Nesse caso dos carros, os estímulos serão bancados com dinheiro de impostos e recebidos por quem comprar ou vender automóveis nessa faixa de preço. Haveria, portanto, uma transferência de recursos da população para os compradores desses carros e para os empresários e trabalhadores das empresas dessa cadeia produtiva.
Esse efeito na distribuição de recursos é relativamente simples de entender e bastante explorado na comunicação da medida. Mas há também o efeito na economia como um todo.
Com essa medida, mais trabalho e mais capital serão alocados na produção de carros. Mais investimentos serão direcionados ao setor automobilístico.
Isso é bom se: a) queremos mais carros que as pessoas escolheriam comprar, a preços de mercado, ou se b) a produção desses automóveis trará outros benefícios para a economia (como o desenvolvimento de novas tecnologias que serão posteriormente usadas por outros produtores).
O ponto (a) certamente não se aplica a esse caso. Carros nas ruas geram trânsito e poluição. Por isso, há diversas medidas para desestimular o uso do automóvel. Na cidade de São Paulo, por exemplo, há o rodízio, que nos impede de usar o carro nos horários de pico uma vez por semana. Faz sentido ter uma lei que estimula a produção de carros e outra que nos proíbe de usá-los?
É, também, difícil encontrar bons argumentos para o ponto (b). Não serão desenvolvidas novas tecnologias. O mundo tem buscado alternativas para o uso de combustíveis fósseis, mas essa medida vai na contramão desse esforço.
Portanto, pensando na economia como um todo, esse pacote de medidas não faz sentido. Ainda assim, a medida parece ter apelo popular. Afinal, sem essa medida, como vai comprar carro novo quem não é rico o suficiente para pagar R$ 70 mil (mas pode pagar R$ 55 mil)?
A medida passa a imagem de um governo preocupado com as pessoas dessa faixa de renda. Note, porém, que há inúmeras formas de redistribuir dinheiro na sociedade. Quando mudamos a estrutura tributária ou a composição de gastos públicos, uns ganham, outros perdem. Poderíamos fazer mudanças para favorecer pessoas beneficiadas por essas medidas (à custa dos outros).
Então, podemos pensar no estímulo aos automóveis como uma medida que: 1) distribui renda da sociedade para os compradores desses carros (incluindo quem quer um segundo carro para escapar do rodízio em São Paulo), mas 2) força os beneficiados a gastar o dinheiro comprando esses automóveis.
Deve-se discutir se essa redistribuição faz sentido. Mas, se o objetivo é esse, é melhor mexer na estrutura tributária e deixar que os beneficiados escolham o que comprar.
As pessoas sabem melhor que o governo se devem gastar com automóveis, celulares, restaurantes, farinha, rapadura ou graviola. Além disso, como já expliquei na coluna de 12 de abril, política setorial não é um bom instrumento para estimular a economia e gerar empregos. E, se o objetivo fosse estimular o uso de carros e a emissão de gases poluentes, bastaria deixar os paulistanos usarem seus automóveis quando quisessem. Ou a ideia é subsidiar quem coleciona carros?