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Opinião Econômica

Opinião Econômica

- Publicada em 23 de Maio de 2023 às 19:44

Políticas fiscais e monetárias em direções opostas e a inflação

Economista-chefe do Banco BOCOM BBM e professora da EPGE (Escola Brasileira de Economia e Finanças) da FGV
Economista-chefe do Banco BOCOM BBM e professora da EPGE (Escola Brasileira de Economia e Finanças) da FGV
Durante a pandemia, políticas fiscais e monetárias andaram majoritariamente na mesma direção: foram expansionistas. Além do aumento dos gastos, que permitiu a sustentação da renda, diversos programas de crédito e renegociação de dívidas a juros mais baixos foram implementados. Esses estímulos resultaram em alto endividamento trazendo questionamentos sobre a sustentabilidade da dívida e solvência dos governos e em pressões inflacionárias disseminadas, adicionalmente alimentadas por rupturas nas cadeias de suprimento e pela reorganização da produção em respostas às incertezas geopolíticas. Com o fim da pandemia, a reversão dessas políticas expansionistas tornou-se necessária.
Perseguindo seus mandatos, os bancos centrais, tanto de países emergentes quanto de desenvolvidos, iniciaram ciclos de subida de juros, colocando a política monetária em território restritivo para conter a escalada inflacionária. Mas em muitos países a reversão e contenção dos estímulos fiscais ainda encontra resistências. Dessa forma, cabe a pergunta: políticas fiscais e monetárias em direções opostas seriam capazes de trilhar o melhor caminho para a convergência da inflação em ambiente de recuperação econômica?
Bancos centrais e governos possuem mandatos específicos para a condução de suas políticas monetárias e fiscais. Mas muitas vezes esses mandatos se sobrepõem e a ação de um pode interferir no objetivo do outro. Um exemplo vem dos impactos que as políticas monetárias e fiscais têm na inflação, ainda que os mecanismos e canais através dos quais atuem sejam bastante distintos.
No caso da política monetária, a elevação da taxa de juros reduz a inflação através da contração do consumo e do investimento. Essa elevação dos juros vem acompanhada pelo crescimento da dívida, tanto através dos custos da dívida quanto através da redução da arrecadação que acompanha a desaceleração da atividade. Já no caso da política fiscal, uma redução de gastos também desacelera a demanda, mas, nessa situação, os juros podem inclusive cair, como quando ocorre redução do prêmio de risco que acompanha uma trajetória de dívida cadente.
Assim, a necessidade de política monetária restritiva em um ambiente de política fiscal expansiva gera efeitos indiretos nas ações dos bancos centrais. Quando isso ocorre, as autoridades monetárias precisam atuar de forma ainda mais agressiva e incisiva para combater a inflação, com efeitos adicionais sobre o crescimento da dívida. Caso contrário, uma atuação leniente com a inflação pode levar à desancoragem das expectativas e a uma dinâmica inflacionária mais inercial.
E no Brasil? Políticas monetárias e fiscais estão coordenadas e indo na mesma direção? Ou estão indo em direções opostas, cabendo considerações sobre os efeitos indiretos de uma sobre a outra? Ao que tudo indica, a política monetária encontra-se em território restritivo desde 2021, e hoje a taxa de juros real ex ante (aquela que desconta as expectativas de inflação 12 meses à frente) já alcança pouco mais que 7%, bem acima de qualquer estimativa da taxa neutra (aquela na qual a inflação segue estável e o produto cresce em seu potencial). A desaceleração no crédito e o aumento da inadimplência ajudam a corroborar essa visão.
Apesar disso, diversos indicadores de atividade e de mercado de trabalho seguem resilientes, consistente com um cenário fiscal expansivo. A PEC da transição contratou uma expansão fiscal de 2% do PIB em 2023, e o novo arcabouço, que apesar de prever o fim do déficit primário já no que vem, ainda não foi capaz de elencar um plano que corrobore o aumento dos superávits previstos. Na contramão da monetária, a política fiscal parece estar em expansão.
Uma política monetária restritiva aliada a uma política fiscal expansionista equivale a um carro que acelera com o freio de mão puxado. É nesse sentido que há ganhos na coordenação das políticas monetárias e fiscais. Ou, melhor dizendo, há ganhos quando se reconhecem os efeitos indiretos de uma política fiscal expansionista sobre a inflação. Uma consolidação fiscal responsável é peça-chave para gerar ambiente macroeconômico estável de crescimento sólido, equilibrado e longevo.