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Opinião Econômica

Opinião Econômica

- Publicada em 16 de Março de 2023 às 20:15

Criptomoedas e a miragem das finanças descentralizadas

Bernardo Guimarães
Bernardo Guimarães
Doutor em economia por Yale, foi professor da London School of Economics (2004-2010) e é professor titular da FGV EESP
O banco SVB quebrou na sexta-feira. Os acionistas perderam tudo, mas, no domingo, as autoridades anunciaram garantias aos depositantes e outras medidas para evitar problemas com outros bancos. Intervenções desse tipo em geral têm custos para o Estado.
Quais as políticas ideais nesse caso? Um caminho é aperfeiçoar a regulação existente. Essa solução requer atenção aos detalhes e será sempre imperfeita.
Aí, abre-se espaço para alternativas radicais. Uma dessas é a criptomoeda. Foi assim com a crise financeira de 2008. Bitcoin surgiu em 2009, na onda da insatisfação com as medidas para socorrer os bancos.
Mas por que poderia ser diferente com criptomoedas?
Criptomoedas são em geral baseadas na tecnologia Blockchain. Essa tecnologia nos permite realizarmos transações usando moeda digital sem intermediários e sem a supervisão de bancos centrais.
Usando essa tecnologia, as pessoas podem realizar operações de crédito sem a intermediação de instituições financeiras. É a onda da DeFi (do inglês para Finanças Decentralizadas). Há aplicativos explorando essas possibilidades.
Mas que problema isso resolve?
Grandes instituições surgem quando há ganhos de escala.
Mercados financeiros são complicados porque trocamos dinheiro hoje pela promessa de dinheiro amanhã. Essa troca requer confiança. Grandes instituições têm menos dificuldade para estabelecer reputação.
Além disso, gerir recursos financeiros é uma atividade com muito ganho de escala. Para detectar possíveis oportunidades de lucros é preciso ter pessoas altamente qualificadas e equipamentos. Esse custo só se paga quando há grandes quantias para investir.
Por essas e outras, muita intermediação financeira é feita por grandes instituições, reguladas por autoridades com o intuito de evitar tomada de risco em excesso.
A tecnologia de Blockchain não muda nada disso.
Assim, não é de se surpreender que grandes intermediários existam também no mundo das criptomoedas.
O caminho entre o mundo das finanças tradicionais e das criptomoedas é em geral trilhado por meio de grandes instituições, como a Voyager e a Celsius, que foram à falência em julho passado, e a FTX, que quebrou no final do ano e ocupou as manchetes.
Muito da segunda maior criptomoeda, Ethereum, está efetivamente custodiada em poucas organizações, como Lido e Coinbase.
Hoje, o estoque mundial de criptomoedas vale cerca de US$ 1 trilhão e chegou a 3 trilhões no final de 2021. O valor total de criptomoedas no mundo é parecido com o valor total das empresas listadas na Bolsa de São Paulo, a B3.
Ainda assim, a quebra de grandes instituições nesse mundo não tem efeitos tão grandes na economia real. Não compramos pão com Bitcoins e as operações de crédito que alimentam o setor produtivo não são feitas com criptomoedas, em geral (pelo menos a parte que opera legalmente e podemos observar).
Enquanto for assim, reguladores não vão resgatar instituições quebradas.
Mas se um dia a criptomoeda for importante para a economia real e uma grande instituição quebrar, o objetivo central das autoridades será evitar corridas e contágio. Se preciso, dinheiro público será usado. Na hora da crise, vem a intervenção que aguente a paulada, e não adianta a gente bater o pé no chão.
Não adianta o governo prometer que não intervirá na quebra de instituições financeiras. Nunca adiantou no mundo das finanças tradicionais, não adiantaria num mundo de criptomoedas, assim como não adianta ameaçar nossos filhos com castigos que não executaremos.
Regulação do setor financeiro é assunto complicado, mas não há solução fácil.