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Opinião Econômica

- Publicada em 23 de Janeiro de 2023 às 20:58

Mulheres são punidas ao reproduzir a espécie

Michael França
Michael França
Economista, Doutor em Teoria Econômica pela Universidade de São Paulo; foi pesquisador visitante na Universidade Columbia e é pesquisador do Insper
Filhos dão trabalho. Apesar de isso ser constatação de senso comum, muitos se dão conta da real dimensão do desafio somente no momento que os têm. Quando ocorre o nascimento, mesmo que tenha sido planejado, surgem novas demandas diárias difíceis de serem compatibilizadas com o agitado modo de vida moderno. Se o responsável pela criação da criança for a tradicional dupla composta por um homem e uma mulher, quem assumirá a maior parte dos cuidados tenderá a ser a mãe.
Em vários países, estudos recentes têm mostrado que ter filhos é uma das principais razões para a diferença salarial de gênero. Ainda que haja um efeito da discriminação e outros fatores na determinação da lacuna de rendimentos entre homens e mulheres no mercado de trabalho, grande parte da desigualdade provém da maternidade.
Aquelas que não têm filhos costumam ver seus rendimentos se ampliar a uma taxa semelhante à dos homens. As que se tornam mães, por opção ou não, passam mais tempo cuidando dos filhos. Suas escolhas em relação ao mercado de trabalho mudam. Elas costumam ofertar menos horas e trocar opções profissionais promissoras por aquelas que ofereçam maior flexibilidade. Também não é raro o caso das que abandonam suas carreiras para acompanhar as trajetórias dos maridos. Muitas delas apenas reproduzem os padrões de comportamento de suas mães.
As mulheres estão presas em um ciclo que se retroalimenta ao longo do tempo. Os empregadores podem antecipar que elas terão filhos e começar a lhes passar funções mais simples. Em casa, a lógica de muitos casais é que aquele que ganha menos ficará responsável pelas tarefas domésticas.
Ter filhos é uma escolha individual. Mas, ao fazê-la, as normas sociais, que tendem a reger nossas condutas, forçam as mulheres a absorver uma alta parcela do custo da reprodução da espécie. Para superar a desigualdade de gênero, avanços são necessários.
A participação feminina no mercado de trabalho costuma ser mais alta nas nações que adotaram medidas para auxiliar a criação das crianças. Além disso, para evitar a reprodução das tradicionais funções de gênero, os homens precisam ser mais cooperativos.
Cada país precisa encontrar uma solução levando em consideração as diferenças culturais do seu contexto. Porém, implementar intervenções nessa área não é trivial. Muitas delas não funcionam ou, simplesmente, apresentam uma relação custo-benefício desfavorável.
Por sua vez, embora ter filhos apresente benefícios, sendo alguns difíceis de serem mensurados, a dificuldade de conciliar carreira e maternidade faz com que muitas mulheres desistam de tê-los. O impacto disso na taxa de fecundidade é expressivo e gera um desafio que vai além da questão da desigualdade de gênero.
Parte importante da transmissão de conhecimento ocorre no contexto familiar. Os pais podem ser considerados como os nossos primeiros professores. Aqueles que nascem em ambientes cujos pais têm alto nível educacional também apresentam elevadas chances de atingir alta escolaridade.
No contexto brasileiro, em 2015, de acordo com pesquisa realizada por Suzana Cavenaghi e José Eustaquio Alves, a taxa de fecundidade entre as mulheres com mais de 12 anos de estudo foi de 1,18 ("Fecundidade e dinâmica da população brasileira", 2018).
Tal fato tem repercussões negativas na acumulação intertemporal de capital humano e apresenta reflexos no crescimento do país. Desse modo, tem-se que ampliar as possibilidades para as mulheres conciliarem carreira e maternidade extrapola a dimensão da desigualdade de gênero. Também é um relevante meio de avançar no desenvolvimento socioeconômico.
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O texto é uma homenagem à música "Triste, Louca ou Má", de Andrei Kozyreff, Juliana Strassacapa, Mateo Ugarte, Rafael Gomes e Sebastián Ugarte, interpretada por Francisco, el Hombre.
 
jc
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