Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

Opinião Econômica

- Publicada em 22 de Setembro de 2022 às 00:35

Reservas internacionais, seguro ou ameaça?

Solange Srour
Economista-chefe de Brasil do banco Credit Suisse. É mestre em economia pela PUC-Rio
Economista-chefe de Brasil do banco Credit Suisse. É mestre em economia pela PUC-Rio
Nas últimas semanas, tivemos notícias sobre a elaboração de duas propostas aparentemente independentes.
A primeira se refere ao estabelecimento de uma meta para as reservas internacionais. Um nível ótimo seria estabelecido, provavelmente abaixo do atual, com bandas de flutuação. Na prática, tal medida limitaria a atuação direta do Banco Central no mercado cambial com a compra e a venda de dólares.
A segunda trata de um novo arcabouço fiscal: o uso da relação dívida/PIB como indicador do ajuste fiscal necessário. O ritmo de crescimento das despesas seria determinado dependendo de faixas dessa relação. Ainda que não explicitamente, os projetos estão bastante interligados. Se a venda de reservas for utilizada para abater dívida bruta e esta for escolhida como métrica para a nova regra fiscal, será aberto então espaço para o crescimento maior de despesas.
As reservas devem ser vistas como um seguro que o país adquire contra potenciais choques que desestabilizam os fluxos de capitais e geram instabilidade cambial. A literatura econômica é repleta de estudos sobre qual seria o nível ótimo de reservas, o que depende fundamentalmente da tolerância do país aos riscos externos e do custo de carregar tal seguro. Esse custo é bastante impactado pelo diferencial entre os juros domésticos e a taxa de juros obtida pela aplicação das reservas no mercado internacional.
No Brasil, esse diferencial nunca foi pequeno. O que acontece é que o setor público se financia pelas taxas de juros locais (superiores), mas acumula ativos remunerados pelos juros internacionais (mais baixos), ocasionando uma piora fiscal.
Não há dúvidas de que, quando comparado aos nossos pares internacionais, o Brasil destoa como um dos países com maior nível de reserva e com maior custo. A pergunta que devemos nos fazer é se esses fatores são suficientes para determinar que devemos dispor de menos reservas.
Entre o fim de abril e o mês de setembro de 2015, o dólar passou de R$ 3 para mais de R$ 4. De janeiro a maio de 2020, vimos a moeda dos EUA subir de R$ 4 para até quase R$ 6. Em ambas as ocasiões, tínhamos mais de US$ 360 bilhões de reservas e fizemos intervenções significativas para conter movimentos desordenados da taxa de câmbio.
Mas, se as reservas não foram suficientes para evitar depreciações expressivas, não seria melhor diminuir seu nível e incorrer em um custo fiscal menor? Aqui entra o contrafatual: qual teria sido a depreciação de nossa moeda nessas duas situações sem elevadas reservas?
O fato é que a sustentabilidade de nossas contas públicas não nos deixa menos vulneráveis aos choques externos. De 2015 para cá, avançamos bastante com a aprovação do teto de gastos e de uma robusta reforma da Previdência, mas estamos sempre flertando com tentativas de reverter as conquistas alcançadas. Interromper o processo de consolidação fiscal com a pandemia é justificável, mas o mesmo não se pode dizer em relação ao enfraquecimento da institucionalidade da regra fiscal no pós-pandemia. Hoje parece fácil mudar a Constituição se o objetivo for aumentar gastos. Ou seja, se, com reservas elevadas, estamos suscetíveis às mudanças no humor externo, pior sem elas.
Uma menor dívida pública resultante da venda de ativos não muda em nada o fato de termos hoje um resultado primário estrutural, isto é, sem receitas e despesas atípicas e descontando os efeitos do ciclo econômico, abaixo do que seria necessário para garantir sua sustentabilidade. Se o ajuste da dívida não for feito via crescimento sustentável ou juro de equilíbrio menor, ela voltará a subir. Reduzir a dívida pública com a venda de reservas só diminuiria a urgência em levarmos adiante reformas que tratem do cerne do problema: a rigidez e o elevado gasto obrigatório.
Abrir mão de um seguro para tornar o arcabouço fiscal mais flexível gera insegurança em relação à sustentabilidade de nossa dívida, e muito provavelmente, o efeito de médio prazo será um juro de equilíbrio maior e uma taxa de câmbio mais depreciada. A venda de reservas para abatimento de dívida pode se tornar contraproducente se for feita antes de um ajuste fiscal sustentável.
Enquanto aguardamos o novo arcabouço fiscal, ideias de um uso alternativo para as reservas constituem uma ameaça, indo na contramão do seu papel de seguro. Não faz pouco tempo que debatemos o uso das reservas para capitalizar bancos públicos, criar fundos de financiamento a programas sociais ou para balizar preços de gasolina. São essas ideias que nos obrigam a ter e a pagar caro por um seguro alto, que não se apresenta tão efetivo nos momentos em que precisamos.
 
Solange Srour
Conteúdo Publicitário
Leia também
Comentários CORRIGIR TEXTO