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Jaime Cimenti

Jaime Cimenti

Publicada em 06 de Novembro de 2025 às 18:06

Família franco-marroquina, identidade, racismo e liberdade

vejam como dançamos

vejam como dançamos

EDITORA INTRÍNSECA/DIVULGAÇÃO/JC
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Jaime Cimenti
Vejam como dançamos ( Editora Intrínseca, 320 pgs., R$ 69,90) romance da grande escritora marroquina Leïla  Slimani, é o segundo volume da trilogia iniciada com O país dos outros , publicado pela Intrínseca .  Slimani escreveu Canção de ninar, vencedor do Prêmio Goncourt 2016 (o mais importante da França) e do Grand Prix dês Lectrices de Elle de 2017 e No jardim do ogro. Leïla é uma voz importante em questões de Oriente Médio e o presidente Macron a nomeou emissária dos Assuntos Francófonos.
Vejam como dançamos ( Editora Intrínseca, 320 pgs., R$ 69,90) romance da grande escritora marroquina Leïla  Slimani, é o segundo volume da trilogia iniciada com O país dos outros , publicado pela Intrínseca .  Slimani escreveu Canção de ninar, vencedor do Prêmio Goncourt 2016 (o mais importante da França) e do Grand Prix dês Lectrices de Elle de 2017 e No jardim do ogro. Leïla é uma voz importante em questões de Oriente Médio e o presidente Macron a nomeou emissária dos Assuntos Francófonos.
Vejam como dançamos confirma o talento narrativo da autora, que inspirou-se em histórias de seus  parentes, para contar a saga de uma família inter-racial nos anos sessenta, período pós-guerra da independência do Marrocos . Amine, ex-soldado marroquino e Mathilde , alsaciana , criaram os filhos Selim e Aïcha em Meknés.
Trabalhadores, obstinados, já em 1968 levavam uma vida abastada, em meio a velhas tradições e novos hábitos do hedonismo ocidental, como festas, danças e música. Aïcha, filha mais velha, aplicada, orguho da família, foi  estudar medicina em Estrasburgo. Na volta para casa conheceu um  jovem idealista, esquerdista e estudante de economia, que a fez questionar a realidade, suas origens  e ver o mundo de modo novo. A agitação estava nas ruas da França. Paris estava em chamas.
Selim , pouco disciplinado, se preparava, sem muita entrega para o exame de ingresso na universidade. Selim queria mais era aproveitar a vida. Os irmãos são os filhos da revolução , cresceram numa situação favorável, mas ainda buscam liberdade, identidade,  pertencimento e precisam enfrentar o racismo e  as mudanças de um Marrocos em reconstrução, pleno de mudanças. A história da família se entrelaça com a história do Marrocos.
Como se vê, uma saga familiar ricamente descrita  em meio ao complexo período pós-colonial do Marrocos.

Lançamentos

Vire essa folha do livro e se esqueça de mim ( L&PM Editores, 248 páginas) de Clara Corleone, atriz, professora de escrita e escritora premiada, traz, com linguagem bem trabalhada, visceral e direta, idas e voltas , dores e alegrias de um intenso amor que por anos foi bom e tóxico. Catharina,protagonista, em primeiríssima pessoa , mostra que a vida é mais quadro de Salvador Dali do que teorema matemático. Surrealismo superando ordem, mas com libertação e ouvindo Nana Caymmi. O texto de Clara segue firme e forte.
Mulher de Outono ( Editora Alcance, 112 páginas) da professora universitária e escritora premiada Jane Tutikian , traz 14 contos inspirados em quadros de grandes pintores, com linguagem precisa, delicada e densa , o universo da mulher de outono que “seca-se para sobreviver”, como diz a personagem. As mulheres de Jane são fortes e frágeis, vigorosas e tênues e o tempo outonal é preparo para renovações, reinvenções e novas epifanias. Tempo para não desistir da vida , do amor e do que mais vier, que uma mulher é muitas e Jane sabe muito bem pintar suas múltiplas cores.
Comédias da vida privada-Antologia ( Objetiva, 264 páginas, R$ 65) do grande e saudoso jornalista, escritor e desenhista Luis Fernando Verissimo reúne o essencial dos best-sellers de Verissimo: Comédias da vida privada; Novas comédias da vida privada e O melhor das comédias da vida privada ,este último lançado pela Objetiva. Ótima oportunidade para reler o Mestre, que transformava em arte nossos grandes pequenos atos cotidianos.

O novo livro de Gilberto Schwartsmann

Jorge Luis Borges, um dos maiores autores da literatura universal, autor do genial conto A Biblioteca de Babel, disse: sempre imaginei que o paraíso fosse uma espécie de biblioteca. Para ele, que leu, escreveu e lecionou literatura, o livro era uma extensão da memória e da imaginação.
Para o escritor, ensaísta, cronista, dramaturgo, bibliófilo encantado e incurável, administrador cultural, médico e professor universitário Gilberto Schwartsmann, imagino que o paraíso deva ser uma biblioteca com milhares de obras raras e primeiras edições. A declaração de amor de Gilberto pelos livros não caberia nos cento e tantas volumes da Enciclopédia Espasa-Calpe. 
O Colecionador de Mentiras (Editora Sulina, 424 páginas, R$ 89,90), novo livro do autor, surgiu de um desafio da jornalista Sheila Kaplan, que o animou a narrar as circunstâncias da chegada de livros raros e editiones principes ao seu grande e valioso acervo.
Ao invés de publicar apenas histórias reais sobre a chegada dos livros, o que já seria bem interessante, Gilberto teve a instigante ideia de inventar circunstâncias em vez de simplesmente contar a verdade. De quebra, Gilberto, que adora ler clássicos, imitar gênios da literatura,  contar histórias e mentir (sou réu confesso, confessou ele), utiliza parte do enredo de obras clássicas de gigantes como Machado de Assis, Calvino, Shakespeare, Borges, Joyce, Kafka e outros para inspirar suas narrativas.
No volume, que necessitou de dois anos de trabalho, o autor homenageia quarenta e uma obras de grandes autores, com as respectivas fotos das capas das raridades e primeiras edições e informações sobre vida e obra dos escritores.
No capítulo dedicado aos contos do imortal The Canterbury Tales (Contos de Canterbury) de Geoffrey Chaucer, edição de 1741, Schwartsmann lembra da estrutura de outro clássico do gênero, Decameron, de Boccaccio, criado décadas antes, e o encontro com um desconhecido velhinho em um café de Istambul, que compartilhou morangos frescos com Gilberto e esqueceu uma sacola muito elegante. Dentro da sacola que não pôde ser entregue ao velhinho, estava um objeto atraente, que não conto o que era aqui para não dar spoiler.
Uma dos pontos altos do livro é a incrível história sobre uma primeira edição de  À la Recherche Du Temps Perdu de Marcel Proust que Gilberto, adorador do gênio francês, ganhou de presente de um amigo; logo depois de reviravoltas dignas de thriller policial, teve que devolver o lindo regalo ao amigo, que teve que repassar a um bibliófilo chantagista, letrado e meliante. 
No epílogo, o autor diz que, no livro, a realidade só raras vezes superou o prazer da imaginação e que, ao se limitar a quarenta e uma obras literárias, teve que deixar de lado outras tantas, como Les Miserables (1899) de Victor Hugo e Travailleurs de La Mer (1866), também de Hugo, além de Utopia de Thomas More. Vamos aguardar o segundo volume de O Colecionador de Mentiras.
 

A propósito

A partir das 41 obras mencionadas pelo autor e das histórias relacionadas com elas, os leitores têm à disposição um panorama significativo de boa parte do melhor da literatura ocidental e certamente serão incentivados a ler os grandes clássicos. Se não quiserem, sugiro que leiam o livro Por que ler os clássicos, do grande Italo Calvino, ele mesmo um clássico gigante e homenageado por Gilberto nas páginas 57-67 desta coleção de mentiras que fala dos adoráveis escritores mentirosos, que inventam gostosas e mentirosas histórias para nosso deleite. Como dizem meus patrícios lá da linda Bota: Se non è vero, è ben trovato. Se não é verdade, é um bom achado. Parabéns, de verdade, para O Colecionador de Mentiras. (Jaime Cimenti)
 

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