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Jaime Cimenti

Jaime Cimenti

Publicada em 11 de Abril de 2024 às 18:36

A morte, o luto e a realidade

viver depressa

viver depressa

TUSQUETS/DIVULGAÇÃO/JC
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Jaime Cimenti
Há pouco foi lançado no Brasil o romance Viver depressa (Tusquets - Planeta do Brasil, 160 páginas, R$ 49,90, tradução de Maria de Fátima Carmo), da consagrada escritora francesa Brigitte Giraud. A obra recebeu o prestigiadíssimo Prêmio Gongourt de 2022 e, nela, Brigitte lida com a morte repentina do marido, imaginando o que poderia ter acontecido de diferente e salvado sua vida.
Há pouco foi lançado no Brasil o romance Viver depressa (Tusquets - Planeta do Brasil, 160 páginas, R$ 49,90, tradução de Maria de Fátima Carmo), da consagrada escritora francesa Brigitte Giraud. A obra recebeu o prestigiadíssimo Prêmio Gongourt de 2022 e, nela, Brigitte lida com a morte repentina do marido, imaginando o que poderia ter acontecido de diferente e salvado sua vida.
Brigitte, em 2007, recebeu a bolsa Goncourt para romance para o livro L´amour est très surestimé e o prêmio Jean Giono 2009 pelo romance Une anné étrangère, entre outras premiações .
Em Viver depressa, com alta densidade, realismo e extrema e sensível habilidade narrativa, a autora narra a busca em compreender a inesperada morte do marido, vinte anos após o ocorrido. Entre lembranças, sentimentos e questionamentos internos, Giraud tece uma história tensa e veloz, que chega aos leitores quase como uma urgente contagem regressiva.
Na narrativa autobiográfica, que parte da venda e entrega da casa na qual o marido, Claude, não chegou a morar, Brigitte, numa crônica dolorosa, com reflexões de época e pontuada por referências musicais, recria o homem que amou, ao mesmo tempo que se agarra a pensamentos irreais e reflete sobre si mesma. Claude se acidentou com uma moto, e Brigitte recria os últimos dias com ele, além da sequência imprevisível de eventos que veio depois.
A partir de vários "se", fala de dor, morte, luto, culpa, impotência e sente o mesmo que muitas pessoas que passaram pela mesma situação. Brigitte e Claude pretendiam viver naquela casa em meio à natureza, criar raízes, constituir uma família - mas apenas ela viveu longos anos na casa, que lhe traz memórias da morte do marido e lembranças de um passado distante.
Um trecho do capítulo final: "Faz vinte anos e tenho que baixar as armas. Abandonar a casa e também deixar você partir. A natureza que me rodeia vai se transformar em concreto e a paisagem desaparecerá. Como desaparece por vezes o som da sua voz. Depois de uma viagem tão longa."
 

lançamentos

Siga a seta- Caminhando até Caravaggio (ediPUCRS, 168 páginas), de Carina Luft, comunicadora, administradora e escritora, mostra a nova rota de peregrinação na Serra Gaúcha, nos moldes do Caminho de Santiago de Compostela. Turismo, hiking e trekking são praticados lá. Carina fala, com sensibilidade, de caminhos, vida, experiências e percepções espirituais e corporais.
A Pedagogia do Marxismo (Avis Rara - Faro, 192 páginas, R$ 38,00), de James Lindsay, matemático, comentarista político e presidente do site New Discourses, apresenta crítica ao método educacional Paulo Freire, chamando-o de desastroso, por ter sido criado para formar ativistas. Lindsay critica a politização da sala de aula e analisa a pedagogia freiriana com profundidade.
A força das falas negras (Pallas Editora, 176 páginas, R$ 46,00), organizado por Sonia Rosa, escritora consagrada, apresenta relatos autobiográficos de Alana Francisca, Sinara Rúbia Teixeira, Rodrigo Mendes e outros sobre o racismo e a violência presentes em nossa sociedade, com vistas a buscar convivência respeitosa e igualitária.

Ninguém é normal

A sabedoria popular sempre afirmou que, de médico e louco, todo mundo tem um pouco. Millôr Fernandes escreveu que todo mundo é maluco, dependendo de onde você cutuca. Chesterton disse que louco é o homem que perdeu tudo, menos a razão. De perto, ninguém é normal, versejou Caetano Veloso na canção Vaca Profana. Hoje, depois do novo "normal" pós-pandemia, acho que até de longe está difícil de encontrar "normais".
Na Grécia antiga a loucura tinha ares mitológicos e, até chegar ao século XIX, quando a loucura foi considerada doença a ser tratada, os doentes mentais passaram por maus tratos, duras rejeições e condições desumanas, terapias de choque e lobotomia.
Ninguém é normal - Como a cultura criou o estigma do transtorno mental (Arquipélago Editorial, 416 páginas, R$ 99,90, tradução de Rodrigo Breunig), de Roy Richard Grinker, experiente professor e antropólogo, Ph.D. em Antropologia Social pela Universidade de Harvard e professor na George Washington University, mostra como a cultura criou o estigma do transtorno mental, questiona a ideia de normalidade e situa os transtornos mentais como parte da diversidade humana.
Grinker, antropólogo e pesquisador da saúde mental, é neto de um psiquiatra pioneiro que foi paciente de Freud, é casado com uma psiquiatra e é pai de Isabel, diagnosticada com autismo. Com uma visão humana e compassiva, Grinker procura lançar luzes sobre a doença mental, tão presente em nosso tempo, e ajudar a quem vive ou viverá o sofrimento que ela causa - ou seja, todos nós.
Grinker mostra os progressos e contratempos da luta contra o estigma e une os fios culturais e históricos que nos trouxeram até um momento em que os transtornos e sofrimentos se tornaram aspectos mais aceitos e visíveis da diversidade humana.
O autor dialoga com uma audiência ampla, relata episódios como as brutais práticas psiquiátricas do século XVIII, o surgimento da psicanálise, o surpreendente legado das guerras, a relação de povos não ocidentais com a neurodiversidade e a própria ideia de normalidade. Grinker fala de sua família, há quatro gerações envolvida com a área de saúde mental, de seu avô que fez análise com Freud e a experiência de ter uma filha autista.
Diz Roy Richard Grinker: "O estigma não vem da nossa biologia; vem da nossa cultura. É um processo que aprendemos em nossas comunidades, e podemos mudar o que ensinamos. Mas somente se nós conhecermos a história do estigma, poderemos mirar as forças sociais que originalmente o criaram, fortalecer aquelas que o reduzem e dizer 'chega' às barreiras que impedem tanta gente de receber atendimento."
Em seu livro, Grinker desmonta os mecanismos de exclusão e as práticas de silenciamento psicológico que,em diferentes épocas e sociedades, oprimiram seres humanos também em função de gênero, raça, classe, religião, sexualidade ou deficiências físicas. Para ele, o normal é uma ilusão prejudicial.

A propósito

Num mundo atual tão urbano, barulhento, dissonante, complexo, tumultuado e cheio de conflitos individuais, familiares e coletivos, doenças mentais como depressão, ansiedade, bipolaridade e tantas outras crescem assustadoramente. Grinker, em sua obra clara, didática e consistente nos mostra a triste história dos transtornos, diz que todos somos meio esquizofrênicos, ciclotímicos, autistas e paranoicos e que, se a cultura uniu o estigma e o transtorno, ela pode e deve começar a separá-los. O poder transformador da cultura deve reduzir o medo, a vergonha e a dor. Doentes devem carregar só o fardo da própria doença. (Jaime Cimenti)

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