No primeiro dia do novel juiz na comarca de primeira entrância, a primeira audiência da tarde daquela segunda-feira é de conversão de divórcio litigioso em consensual.
Protocolarmente sentados, separados pelos dois lados da mesa, estão o homem (45 de idade) e a mulher (43) que conjugalmente se desacertaram - mas que, processualmente, transacionaram. Ao lado de cada um deles, os respectivos advogados. Presentes também o promotor de justiça e a escrivã.
Numa cadeira ao fundo da sala, bem vestida, pernas cruzadas respeitosamente, joias reluzentes, bolsa de grife está uma mulher anônima. Ela é desprovida de beleza facial e tem nada a ver com a audiência. Ou tem...
O magistrado percebe, pelo piscar de olhos e trejeitos nas mãos da tal mulher feia, que ela tem alguma intimidade com as partes. Talvez fosse a mãe da divorcianda - imagina o juiz.
O magistrado se contém, não pergunta quem é aquela mulher anônima, que talvez nem mesmo a habilidade de um exímio cirurgião plástico pudesse dar jeito. E logo pergunta às partes se elas estão conformes com a transação formalizada em petição firmada pelos dois advogados.
Tudo nos trinques, assinaturas colhidas, divórcio sacramentado, o juiz levanta-se, educadamente estende a mão às partes e seus advogados e agradece a presença de todos.
O ex-cônjuge varão levanta-se vai ao encontro da feia mulher de 60 , beija-a respeitosamente no rosto e ambos saem, discretos, de mãos dadas. Antes que o magistrado pergunte algo, a escrivã - entrosada nas coisas da cidade - esclarece em baixo tom de voz:
- É a própria cunhada. Ele deixou a mulher de 43 para ficar com a irmã dela, 17 anos mais velha. Mulher de 60, viúva há dez anos, ela é a provedora de tudo! Tem patrimônio invejável...
O juiz ainda espia pela vidraça e vê o motorista de um Mercedes Benz abrindo a porta para que os dois entrem. E antes que o flamante automóvel dê a partida, o promotor informalmente questiona: "Será que o amor é realmente cego?"
O novel juiz arremata conciso:
- Nunca vou esquecer esta minha primeira audiência.
Abuso de partido na cota legal
Está começando uma ação inédita - ou pelo menos rara - na Justiça brasileira. A autora é uma cidadã - que é estudante e mãe solo - e afirma ter sido utilizada pelo PSOL (Partido Socialismo e Liberdade/RS) como "candidata laranja" a vereadora de Santa Maria (RS), nas eleições de 2016. Tal apenas para que o partido cumprisse o percentual legal de 30% de candidaturas femininas (Lei de Cotas nº 12.034/2009). A concorrente não fez campanha, não recebeu os recursos liberados em seu nome e solicitou a retirada da candidatura logo após o registro. Ainda assim, as contas eleitorais não foram prestadas pelo partido, nem pelos advogados e contadores - o que deixou a pretensa candidata em situação de irregularidade junto à Justiça Eleitoral, por vários anos.
A conjunção de pendências impediu Fernanda Sena Fernandes - a autora da ação - de obter a sua certidão de quitação eleitoral. Este é um documento necessário para assumir cargos públicos. Entre 2024 e 2025, ela perdeu três oportunidades de tomar posse como professora estadual - cargo que garantiria estabilidade financeira para ela e seu filho.
Apesar de Fernanda ter, diversas vezes, buscado solução junto ao PSOL e seus advogados, inclusive com "pedidos desesperados", o problema não foi resolvido. Em 2025, quando afinal foi apresentado o pedido de regularização, os advogados do partido - que também representavam a autora - não juntaram os documentos exigidos pelo juiz eleitoral. Isso levou à extinção do processo, sem resolver a pendência.
A ação se baseia na responsabilidade civil por ato ilícito (artigos 186, 187 e 927 do Código Civil), alegando: a) abuso de direito por parte do PSOL ao usá-la apenas para cumprir a cota de gênero; b) responsabilidade da sociedade de advogados - que assistia o PSOL - por conduta omissiva; c) negligência e omissão dos réus, que geraram dano moral à autora; d) perda de uma chance real de assumir cargo público, justificando reparação financeira.
A novel ação tramita na 4ª Vara Cível de Santa Maria (RS) e pede a condenação do PSOL-RS e do Escritório Girotto, Lemes e Zimmermann Advogados Associados, ao pagamento de R$ 60 mil. Já há despacho concedendo a gratuidade judiciária à autora e determinando a citação dos réus (partido e banca advocatícia). Em nome da autora atua o Escritório Ausani, Farias & Finger Advogados. (Processo nº 5013289-95.2025.8.21.0027).
Quatro potins sobre as fraudes
Ex-servidores do alto escalão do INSS receberam mais de R$ 17 milhões de intermediários das associações suspeitas de fraudes bilionárias contra aposentados e pensionistas. As suspeitas sobre o envolvimento de dirigentes da autarquia com o esquema - que provocou prejuízo de R$ 6,3 bilhões a aposentados - levaram à queda do presidente do INSS, Alessandro Stefanutto. Ele pediu demissão após ter sido afastado do cargo por decisão judicial. As defesas não se pronunciaram.
A estimativa inicial da Polícia Federal era de que 97% dos aposentados não autorizaram os descontos. O INSS analisou pedidos de cancelamentos e concluiu que 90% não deram autorização, mas número (oficial...) caiu para 54% após análise. Qualquer que seja o percentual do pepino, o governo terá dificuldades para devolver o dinheiro das vítimas. Difícil também será recuperar todo o dinheiro desviado.
Os repasses do INSS para o Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindnapi), dirigido por José Ferreira da Silva, o "Frei Chico" (irmão de Lula), cresceram 564% de 2020 até 2024. Em tempo: ele é chamado como "frei" não por fazer parte de alguma ordem religiosa; o apelido, dos tempos de metalúrgico, se deve à sua calvície, semelhante à de um padre.
A advogada Cecília Rodrigues Mota (OAB/CE nº 13.254), apontada pela Polícia Federal como operadora de propinas do INSS, fez 33 viagens em 1 ano.
Ela tem inscrições suplementares nas OABs da Bahia, Distrito Federal e São Paulo. Nas idas e vindas passou por Dubai, Paris e Lisboa, se hospedou em hotéis cinco estrelas e comprou joias e roupas de grife. Segundo a PF, escritórios de advocacia e empresas ligadas a Cecília receberam R$ 14 milhões de associações investigadas.
Os "camarões" ágeis
A palavra "potim" - usada no título da matéria aí de cima - significa literalmente "camarão", na língua nheengatu - sendo utilizada também como equivalente a "algo que se move rapidamente, ou que é pequeno e ágil" - semelhante ao movimento de um camarão.
O vocábulo nheengatu denomina a Língua Geral Amazônica, que é um dialeto indígena brasileiro. Ele se desenvolveu como um idioma de comunicação entre diferentes povos da Amazônia, incluindo os indígenas. É a única língua viva descendente do Tupi antigo, um dos idiomas mais antigos falados no Brasil.
Au au judicial
A expressão pertinente vem do latim ("sentiens") e significa "que sente, que tem sensações". Nesta linha, um cachorro chamado Tokinho foi reconhecido como parte em um processo contra maus-tratos. Isso lhe assegurará, futuramente, receber indenização, a ser paga por seu ex-tutor. A decisão é da juíza Poliana Fagundes Cunha, da 3ª Vara Cível de Ponta Grossa (PR). Foi estabelecido que a indenização reverterá exclusivamente para o animal, sob pena de responsabilização pessoal dos atuais tutores.
O ex-tutor de Tokinho (réu da ação) alegou na defesa, sem êxito, que tentava separar uma briga entre os dois cães que viviam na casa. As câmeras de segurança mostraram que ele deu nove golpes com um pedaço de madeira em Tokinho, antes que chegasse a guarda municipal, chamada pelos vizinhos. A médica veterinária que atendeu o canino constatou "não haver lesões externas, embora o animal apresentasse dores, febre, abatimento e dificuldade de caminhar e comer". (Processo nº 0032729-98.2023.8.16.0019).
Teses trabalhistas
O Tribunal Superior do Trabalho fixou, esta semana, 12 novas teses jurídicas. Destas, especialmente três terão imediata repercussão em muitos casos.
Tema 119 - "A dúvida razoável e objetiva sobre a data de início da gravidez e sua contemporaneidade ao contrato de trabalho não afasta a garantia de emprego à gestante".
Tema 122 - "A ausência de apresentação dos registros de jornada pelo empregador doméstico gera presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho alegada na petição inicial, que pode ser elidida por prova em contrário".
Tema 128 - "O exercício concomitante da função de cobrador pelo motorista de ônibus urbano não gera direito à percepção de acréscimo salarial".