O cineasta Kleber Mendonça Filho não deixa dúvida em seu novo filme, O agente secreto, que merece os elogios que tem recebido, desde o momento em que foi laureado em Cannes com o prêmio de melhor diretor. Seu trabalho é perfeito como narrativa que mantém o espectador atento desde a cena inicial até o epílogo. Seus méritos também se alastram por outros setores desta coprodução de Brasil, Holanda, Alemanha e França. A reconstituição de época revela cuidados especiais e a direção de intérpretes é de um profissionalismo merecedor de todos os elogios. Não é apenas o ator principal, Wagner Moura, que ganhou a Palma de Ouro no citado festival francês e que de certa forma dá uma aula de como atuar em cinema, o destaque. Todos os demais estão perfeitos, o que revela que sábias instruções foram seguidas. Procurado e perseguidores são figuras que compõem um quadro bastante revelador de uma fase da história brasileira em que formas de administrar problemas foram substituídas por ações tão primitivas como indesejáveis. Outro mérito do filme é que o realizador, também o autor do roteiro, abandonou o discurso e as palavras de ordem, rejeitando assim propostas simplificadoras e destinadas aos apreciadores de simplicidades e controlados pela demagogia. Seu filme aposta na exposição de atos de violência para definir um cenário e um tempo.
Como o próprio cineasta destaca o ano em que se desenrola a ação, é importante lembrar que 1977 foi marcado por uma crise tão dramática quanto decisiva, sobre a qual não há referência durante o filme, a não ser pela imagem do retrato de Ernesto Geisel nas repartições públicas. Naquele ano, o ministro do exército acusou o presidente de comunista por ter, entre outras providências, reconhecido a China. O tempo terminou por ter colocado tudo em seu lugar, até porque naquele período, depois de um período de violência destinada a calar, em alguns casos para sempre, vozes discordantes, sinais apareciam de que a resistência ao arbítrio estava dando seus resultados. Em nosso setor, por exemplo, filmes proibidos que em outros países eram assistidos por pais e mães acompanhados de filhos, foram liberados. E não havia mais censura à imprensa escrita. São evidências, entre outras, de contradições e também de exigências da modernidade, sem falar no inevitável processo de transformação, tão ignorado pela obscuridade. No documentário História do Brasil, que Glauber Rocha realizou em parceria com Marcos Medeiros, tal tema é muito bem abordado.
Os reparos que possam ser feitos a O agente secreto não invalidam muitos de seus acertos. O filme tem, por exemplo, uma abertura, que em muitas óperas, resume a narrativa. A fuga, o encontro com a violência, a intimidação, a corrupção, a indiferença de muitos, a descoberta de que a fuga para o passado é ineficiente, a realidade que persegue o protagonista. É uma cena exemplar. E no epílogo, quando a época atual vem se juntar aos dois tempos anteriores, a figura do médico e o cenário revelam que a intenção do diretor e roteirista é falar de um tempo presente, onde malefícios precisam ser enfrentados como uma peste. E como o filme faz muitas referências a Tubarão, o filme de Spielberg, é bom lembrar que o cineasta americano foi profeta, pois é só substituir o prefeito do filme com certos políticos da atualidade e seu comportamento durante a pandemia para que a analogia seja perfeita. A unidade médica da cena final parece um derradeiro aviso. As imagens de encerramento têm efeito semelhante às da abertura: resumem a necessidade de uma transfusão. No epílogo, mais uma vez, são as imagens que revelam o essencial. Mesmo esquecendo de certos temas, o filme de Kleber Mendonça Filho está repleto de imagens reveladoras e destinadas a fortalecer memórias e despertar a atenção para o presente. E também tem algumas cenas admiráveis, como aquele diálogo entre pai e filho no carro, um momento em que personagens, sempre essenciais ao cinema, aparecem de forma integral.