Antes de naufragar com suas versões de Duna, realizadas em 2021 e 2024, Dennis Villeneuve esteve na superfície por ter realizado alguns filmes que retratavam o mundo contemporâneo de forma dura e colocada na tela de maneira a revelar um talento superior. Quando, em 2010, levou para o cinema uma peça de Wajdi Mouwad, seu filme foi selecionado para concorrer ao prêmio da Academia de Hollywood, além de receber elogios e atingir repercussão em todo o mundo. Incêndios está agora retornando e nada sofreu com a passagem do tempo. Continua sendo uma obra notável, que merece esta reedição em cópia valorizada pelos novos meios de recuperação e projeção de imagens. Quinze anos são suficientes para que um filme supere a passagem do tempo, algo que fica claramente demonstrado com a reprise desta obra que em nada perdeu sua força. Atualmente, o panorama exibidor se tem ressentido de obras novas portadoras de virtudes acima da média. Não por culpa de realizadores, mas devido ao fato de trabalhos importantes serem transferidos para setores de exibição que conspiram para que filmes, antigos e modernos, percam parte de seus méritos.
Incêndios aborda o ódio e a violência sem recorrer a nenhuma forma contaminada pelo panfleto e pelo maniqueísmo. Sem conhecer a obra original, é possível constatar que Villeneuve optou por procurar causas e não efeitos, recusando uma aproximação a uma tendência atual de muitos que, aterrorizados pelas imagens causadas pela violência atual, não conseguem dirigir sua atenção para as origens de um processo em nada original e que desde o princípio vem revelando aqueles aspectos criados pelo eterno conflito entre os métodos civilizatórios e forças agressivas. Estas últimas prisioneiras e invisíveis. O filme é sobre desconhecimentos e descobertas, algumas difíceis de suportar, mas causando equilíbrio quando identificadas, como no epílogo do grande filme que John Huston realizou sobre Sigmund Freud. Na sequência do ônibus metralhado, o conflito é exposto com clareza. A impiedade é contestada pelo gesto de solidariedade – civilização contra a barbárie -, mas o irracionalismo termina predominando, num trecho no qual o filme atinge um nível dramático incomum.
Mesclando cenários que representam estágios diferentes da evolução, material humano, o filme de Villeneuve registra, através apenas de imagens, que o chamado progresso é limitado por formas exteriores. Assim, é em um desses cenários, que o diretor registra a grande descoberta. Não é um pé deformado, como no mito, mas um sinal revelador e definitivo. A ampliação aqui deixa clara uma trajetória, pois os gêmeos, além da procura do irmão, terminam por percorrer um caminho que os leva a descobrir algo perturbador. A descoberta na piscina é igualmente primorosa em termos cinematográficos. O filho descoberto também revela a origem dos irmãos. O elemento trágico não é expresso através de uma violência gráfica marcada por sangue e mortes. Mas ele se faz presente através de uma personagem que descobre ao mesmo tempo que ao desafiar normas é castigada pelo preconceito e o ódio. E também pelo destino. Esta variação do tema edipiano é merecedora de atenção na medida em que revela que a agressividade humana é a grande inimiga da civilização, na medida em que impede que gestos humanos exerçam papel disciplinador e se transformem em agentes das Fúrias. E também funciona como uma advertência, como na cena da descoberta decisiva, num cenário em que tudo parece expressar um mundo distante de qualquer forma de ameaça. Outro detalhe importante é a forma como os protagonistas se aproximam do esclarecimento: as imagens, retiradas da realidade surgem como uma viagem no tempo, em busca de um passado remoto. Também em tal forma, o diretor mostra inteligência e sensibilidade. O passado não é para ser revivido, mas as luzes devem exercer o mais importante dos papéis: esclarecer o obscuro e decifrar os enigmas.