O diretor Luca Guadagnino, a se julgar por este Depois da caçada, está interessado em demostrar que o nível intelectual de seus personagens não é empecilho para que dores e angustias geradas por acontecimentos passados não resolvidos e sim acobertados atuem como agentes capazes de transformar a vida presente como algo difícil de ser suportado. Assim, ao iniciar sua narrativa com o despertar de um casal, ele coloca na tela personagens que abandonam o refúgio do sono para enfrentar a realidade. O cineasta não encena ou faz referências aos sonhos, mas a repetição de tal ritual não deixa dúvida quanto às intenções do realizador. A maneira como a professora interpretada por Julia Roberts procura prolongar sua fuga noturna é outro lado revelador e muito destacado em toda a narrativa. Este é apenas um dos sinais de sua dor. Outro são os sucessivos vômitos que a atormentam. Ao exigir da atriz uma postura rígida Guadagnino procura também criar uma personagem que mais parece uma figura que não consegue uma aproximação com semelhantes. Enquanto o marido procura recriar momentos de um passado que parece sepultado, ela se mantém fria e distante. Numa cena que ele “rege” uma peça de John Adams, ela pede que ele diminua a intensidade do som. São cenas assim que terminam revelando não apenas um cotidiano de vidas humanas, como também focalizam a essência de uma relação imperfeita.
Depois da cena que antecede os créditos principais, o espectador assiste uma festa na casa do casal visto na abertura no qual vários professores discutem temas relacionados ao comportamento humano, tudo num nível muito distante do cotidiano. Nomes de pensadores de várias épocas são citados, mas de repente uma das participantes avisa que necessita ir ao banheiro. E lá, entre outras imagens distantes do que na sala se discutia, ela encontra um segredo, que só mais tarde será devidamente conhecido do espectador. Esse contraste entre vida cotidiana e pensamento elaborado é bastante abordado durante a narrativa, mas sem a clareza que o cinema costuma exigir de tal circunstância. Baseado num roteiro escrito por Nora Garret, o filme abusa de diálogos nos quais os personagens parecem sempre procurando esconder fatos, ou então escondendo algo que pode ser comprometedor ou instrumento capaz de causar um sofrimento ainda maior. A cumplicidade do cineasta com suas criaturas termina fazendo com que o espectador a tudo acompanhe com um distanciamento que perigosamente se aproxima do desinteresse. E ao falar de temas como escolhas sexuais e racismo não há dúvida que falta profundidade ao relato, pois tudo permanece limitado por frases que pouco dizem a respeito de tais assuntos.
Porém, numa época em que as telas abrem espaço para produções que elegem superficialidades e barram filmes com objetivos mais sérios, Depois da caçada não deixa de ser um trabalho de exceção. Fazer um filme que aborda o tema do passado oculto ou mal elaborado e causador de males físicos e emocionais não deixam de ser uma ousadia. É indiscutível que o filme é uma peça marcada pela inconformidade diante de regras impostas por um amplo sistema de produção. E não deixa de ser interessante ver na tela personagens dotados de inteligência e conhecimento, figuras de um mundo culto, envolvidos com problemas relacionados a imperfeições num processo de autoconhecimento. Nenhum deles cita o aforismo grego sobre o autoconhecimento, mas o filme está todo ele ligado ao mais sábio dos conselhos. Ao seguir tal orientação, o ser humano certamente se afastaria do sofrimento causado pelas nuvens que impedem a passagem da luz. O filme de Guadagnino tem o mérito de colocar figuras perambulando nas sombras e percorrendo caminhos que levam a nada. Mas certamente seria mais importante se evitasse certo diálogos cujo artificialismo contrasta com o cotidiano pretendido. Afastar o interesse do espectador nunca será um caminho para o cinema.