O tema relacionado a problemas surgidos pela presença de novas formas de exibição de filmes proporciona a oportunidade para reflexões que pelo menos evitem previsões pessimistas, sem deixar de expor dilemas que se colocam de forma a tomar a forma de poderosas ameaças. Qualquer espectador atento poderá perceber que a programação nas salas comerciais vem apresentando sinais de empobrecimento. Está havendo um desinteresse por obras para espectadores adultos e uma fixação em títulos que vivem de efeitos especiais. O cinema dedicado ao público infantil sempre será no cinema algo importante e indispensável. A própria história de nossa arte registra em tal gênero várias obras-primas, tanto no desenho animado como nos filmes de marionetes, isso para não falar em aventuras capazes de fascinar espectadores de todas as idades. Mas nos últimos anos são poucos os que são capazes de unir gerações. Um outro local do atual cenário é que aquele que registra o vazio que aos poucos vai aumentando com a aposentadoria e mesmo a definitiva ausência de alguns mestres. A lista é grande e inevitável, causada pela impiedosa passagem do tempo. Mas não é saudosismo verificar que seleções elaboradas por aficionados de vários países e que revelam a opinião de diversas gerações raramente incluem filmes do século 21.
É necessário atentar, também, para o fato de que atualmente quando um filme alcança 100 mil espectadores no mercado brasileiro o fato é saudado com o maior entusiasmo e motivo para festas. Porém, sem o objetivo de diminuir a felicidade de muitos, isso para não falar em outros títulos, é necessário lembrar que Dona Flor e seus dois maridos atraiu mais de 10 milhões de pessoas e que Tubarão ultrapassou tal marca, chegando a 13 milhões. Além disso, Titanic, que reabriu cinemas que haviam fechado, é o recordista, com 16 milhões de ingressos vendidos. Tais números evidenciam que o setor de exibição cinematográfica está enfrentando concorrentes poderosos e muito bem organizados e além disso beneficiados por tecnologias cada vez mais eficientes. Provavelmente, tais concorrentes estão vencendo um setor cujas respostas evidenciam não ter força e nem imaginação para o combate. Transformar salas de exibição em parte de parques de diversão ou em restaurantes não é algo que favoreça nossa arte. A mudança é eterna, mas é importante um olhar atento para o processo. É de estranhar, portanto, o silêncio diante dele por parte de comunicadores, e atentar o fato de vários canais oferecerem amplos espaços que antes eram ocupados por filmes, salvo quando algum nome famoso por seu trabalho justamente exaltado completa seu ciclo.
Mas o cinema não desaparecerá. Recentemente, a Netflix comprou o maior cinema de Los Angeles, equipando-o com todos os meios de projeção, inclusive os mais antigos para aproveitar materiais originais. E há poucos dias foi noticiado o interesse da mesma empresa pela aquisição da Paramount. Com isso voltarão à tela certa muitos clássicos que pertencem ao acervo da produtora de Um lugar ao sol e também filmes novos que terão no Chinese Theatre uma vitrine e o melhor espaço para serem conhecidos. No Brasil, além das salas especiais –aqui em Porto Alegre as três da Cinemateca Paulo Amorim e mais as da Cinemateca Capitólio, do Cinema dos Bancários e do Cinema Universitário da UFRGS – são importantes locais de resistência. Agora é esperar que os demais exibidores atentem que o mais importante é a qualidade de projeção, e também um cuidado em preservar o público que continua prestigiando a arte das imagens em movimento. E resta também aguardar que O agente secreto confirme os elogios que tem recebido e que o público compareça, a fim de prestigiar, com elogios ou críticas, um filme que tanta repercussão vem alcançando em suas exibições em festivais e em espaços culturais em outros países. Depois de Ainda estou aqui, um exemplo de como o cinema pode ser forte na denúncia sem cair no discurso superficial e no lamentável sectarismo, é justo esperar que o cinema nacional continue frequentando o espaço onde se encontram os melhores.