No ano de 1956, Henri-George Clouzot, o diretor de O salário do medo e As diabólicas, realizou o documentário O mistério de Picasso, que exibido no Festival de Cannes ficou com o Prêmio Especial do Júri. A obra chegou a ser exibida em Porto Alegre, no Salão de Atos da UFRGS, que na época, antes da criação do Cinema Universitário, exibia mostras internacionais em parceria com o Clube de Cinema. Tratava-se de um filme de certa forma revolucionário, pois documentava a criação de obras no momento em que eram realizadas. Fotografado por Claude Renoir, filho do pintor de Bal du moulin de la Galette, o filme utilizava uma tela transparente, o que permitia ao espectador acompanhar o processo criador do artista focalizado. Os que lá estiveram não escondiam seu entusiasmo e o filme por várias vezes era aplaudido por uma plateia fascinada pelo trabalho mostrado, inclusive a transformação de figuras durante o processo criador. Clouzot, famoso pelos dois filmes antes citados, também se dedicou a documentar a arte do maestro Herbert von Karajan, registrando performances da Orquestra Filarmônica de Berlim, sendo que um desses filmes, aquele dedicado à Nona Sinfonia de Beethoven, foi exibido pela Rede Globo em horário nobre, algo que certamente prova que eram outros os valores vigentes.
O cinema sempre se interessou pela vida de criadores de outras artes. De certa forma é uma espécie de homenagem desta que é uma reunião enriquecedora de todas elas. Na pintura, então, a lista é grande e iniciada, no período sonoro, em 1936, quando Alexander Korda realizou um filme sobre Rembrant, com Charles Laughton. John Huston dirigiu Moulin Rouge, em 1952, sobre Toulouse-Lautrec, tendo José Ferrer no papel principal. E em 1956, Vincente Minnelli, tendo Kirk Douglas vivendo Van Gogh e Anthony Quinn como Gaugin, realizou Sede de viver, filme que antes de ter a ação iniciada prestava agradecimento ao Museu de Arte de São Paulo. James Yvori, por sua vez, realizou em 1996, com Anthony Hopkins, Surviving Picasso. O criador de Les Demoiselles d’Avignon certamente é, de todos os pintores e escultores, o que mais interessou ao cinema. São mais de 15 filmes, registrados no século passado por uma editora de Milão, número que certamente está superado. O mais famoso desses filmes certamente é Guernica, um documentário em curta-metragem realizado em 1951 por Alain Resnais, o futuro diretor de Hiroshima, meu amor e O ano passado em Marienbad. A recriação do passado para que seja entendido o presente, o tema da obra de Resnais, já aparecia naquele filme curto, sobre a destruição de uma vila espanhola durante a Guerra Civil, prelúdio de crimes semelhantes que ocorreriam mais tarde, um deles recriado na obra-prima do cineasta.
Agora, é a vez de Simona Risi, documentarista que trabalha na televisão italiana. Seu filme não ultrapassa as fronteiras que limitam trabalhos realizados para aquele meio e chega às salas de cinema certamente impulsionado pelo artista retratado. Porém, é dispensável a presença como narradora da atriz iraniana Mina Cavani, que integra o grupo de artistas da mesma nacionalidade que têm procurado países europeus em busca de condições que permitam a continuidade de seu trabalho. O texto por ela recitado diz mais sobre a trajetória pessoal de Picasso do que sua obra e só raramente chega perto do tema que seria o principal do filme: a deformação da realidade e a descoberta de verdades geralmente ocultas. A inconformidade que por vezes assume aspectos agressivos aparece nas obras filmadas, mas não chegam a ser analisadas com profundidade. Em certos momentos, por sinal, o filme de Risi se assemelha a um panegírico do museu parisiense dedicado à obra do pintor. Picasso em Paris é um documentário sobre a vida de um artista que exerceu durante o Século 20 poderosa importância. Não chega a ser a hagiografia tantas vezes aparecida nas telas e composta por admiradores e não exegetas. Mas carece daqueles elementos que lançam luzes sobre obras e seus autores.