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Cinema
Hélio Nascimento

Hélio Nascimento

Publicada em 18 de Setembro de 2025 às 18:28

Mito e realidade

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Hélio Nascimento
Figura sem muito destaque no panorama atual do cinema italiano, o produtor e por vezes diretor Uberto Pasolini se arrisca ao abordar o tema dominante da literatura ocidental, neste O retorno, do qual ele mesmo é um dos roteiristas. Não é o primeiro cineasta a abordar o tema. Muitos antes dele, diretamente ou através de citações, levaram à tela a homérica narrativa, vale dizer a volta para casa, a reconstrução de um mundo que parecia perdido e também o regresso à origem, como fez o grande Stanley Kubrick, na mais brilhante variação sobre o tema e num dos mais notáveis filmes da História do Cinema: 2001: uma odisseia no espaço. O protagonista da atual versão, o britânico Ralph Fiennes, tem um antecessor, pois Kirk Douglas, em 1954, interpretou o personagem de Homero em Ulisses, filme dirigido por Mario Camerini. Uma referência pode ser vista em O desprezo, produzido em 1973, para muitos o melhor filme de Jean-Luc Godard, no qual Fritz Lang, um dos mestres do cinema clássico alemão, interpretava um diretor que estava filmando uma versão de A Odisseia. E não seria justo esquecer John Ford, que foi chamado “o Homero das pradarias”, cujos filmes quase sempre começam com alguém voltando para casa ou para a família como em Rastros de ódio, outro momento antológico do cinema, ou até mesmo saindo para enfrentar o cotidiano e regressando no epílogo, como em Um crime por dia, realizado em 1958, resumo realista e moderno do tema e no qual o investigador vivido por Jack Hawkins no último plano se dá conta de que esqueceu de comprar uma encomenda da esposa.
Figura sem muito destaque no panorama atual do cinema italiano, o produtor e por vezes diretor Uberto Pasolini se arrisca ao abordar o tema dominante da literatura ocidental, neste O retorno, do qual ele mesmo é um dos roteiristas. Não é o primeiro cineasta a abordar o tema. Muitos antes dele, diretamente ou através de citações, levaram à tela a homérica narrativa, vale dizer a volta para casa, a reconstrução de um mundo que parecia perdido e também o regresso à origem, como fez o grande Stanley Kubrick, na mais brilhante variação sobre o tema e num dos mais notáveis filmes da História do Cinema: 2001: uma odisseia no espaço. O protagonista da atual versão, o britânico Ralph Fiennes, tem um antecessor, pois Kirk Douglas, em 1954, interpretou o personagem de Homero em Ulisses, filme dirigido por Mario Camerini. Uma referência pode ser vista em O desprezo, produzido em 1973, para muitos o melhor filme de Jean-Luc Godard, no qual Fritz Lang, um dos mestres do cinema clássico alemão, interpretava um diretor que estava filmando uma versão de A Odisseia. E não seria justo esquecer John Ford, que foi chamado “o Homero das pradarias”, cujos filmes quase sempre começam com alguém voltando para casa ou para a família como em Rastros de ódio, outro momento antológico do cinema, ou até mesmo saindo para enfrentar o cotidiano e regressando no epílogo, como em Um crime por dia, realizado em 1958, resumo realista e moderno do tema e no qual o investigador vivido por Jack Hawkins no último plano se dá conta de que esqueceu de comprar uma encomenda da esposa.
Em seu filme, Uberto Pasolini retira de cena os deuses e se fixa, de forma realista na chegada de Ulisses à Ítaca, na qual Penélope permanece fiel, enganando os pretendentes ao trono ao destruir durante a noite o seu trabalho diurno. Mas não permanece preso ao relato original e procura dar destaque a Telêmaco, vendo-o como um Édipo que, ao mesmo tempo em que entra em conflito com os pretendentes, não hesita em ofender a mãe tornando assim claro o drama por ele vivido. Mas é nesse ponto que aparecem certas limitações ao cineasta e seus roteiristas. A encenação é pobre e apenas se fixa em pormenores que nada acrescentam a esse tema. Em nenhum momento, por exemplo, em seu conjunto, os pretendentes assumem simbolicamente os desejos ocultos do filho da rainha. Mas o filme, mesmo assim, vale por chamar a atenção sobre um tema que parece escapar da crítica. E ao retirar de cena os deuses homéricos, o realizador mostra não ser sensível ao fato de tais figuras representarem as complexidades e as contradições que habitam o ser humano. Ao retirar de cena aqueles que guiam o ser humano em direções diversas, o realizador de certa forma enfraquece seu filme, até por não conseguir estruturar os personagens de maneira a torná-los poderosos exemplos de desafiantes diante de situações que os colocam como prisioneiros.
A seu modo, o cineasta de O Retorno responde a um texto de Karl Marx que escreveu sobre o permanente interesse pela arte grega: “...a dificuldade não está na ideia de que a arte e a epopeia gregas estejam ligadas a certas formas de desenvolvimento social. A dificuldade está em compreender porque ainda hoje nos proporcionam um prazer e valem, em certos aspectos, como norma e modelo insuperáveis”. Se não é um filme notável, esta versão do final de A Odisseia, com as suas referências ao tempo atual, sobretudo no sangue que corre e mancha os atos humanos, reflete uma época que parece se aproximar de uma grande crise, isso se não a vive no momento. E o faz de forma a evitar as interpretações marcadas pelo sectarismo. Enquanto o casal é novamente formado, o filho se afasta e o epílogo se fixa num quadro incompleto. É como um recomeço. Partindo do mito e da lenda, da fantasia e da arte, o diretor tenta ver na realidade conspurcada pela violência e serva de agressividades que por vezes comandam os seres humanos, um palco no qual agem elementos que servem de obstáculo à marcha da Humanidade. Se o cineasta fosse um dos maiores o filme seria mais profundo. Porém, ele permite reflexões.

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