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Cinema
Hélio Nascimento

Hélio Nascimento

Publicada em 28 de Agosto de 2025 às 19:01

Ambição destruidora

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Hélio Nascimento
Estreando no longa-metragem com um filme excepcional, O lobo atrás da porta, Fernando Coimbra confirma com este Os enforcados as qualidades reveladas em 2013. Depois de vários trabalhos para a televisão e uma permanência no exterior, ele volta ao Brasil num momento em que o cinema nacional atravessa uma fase de premiações em festivais internacionais. E volta para enriquecer uma cinematografia por vezes acusada de insistir em filmes fixados em mazelas sociais, sem abordar suas causas, afastando-se assim das raízes de determinados problemas, desprezando, portanto, qualquer forma de um radicalismo destinado a derrubar paredes (como é visto no final do filme em cartaz) e expor as origens de injustiças e distorções. O novo trabalho do cineasta é admirável por muitos motivos, entre eles por valorizar as imagens, sobretudo os cenários, para chegar à essência do que está sendo narrado. Eis um exemplo de cinema que embora claramente inspirado em duas peças de Shakespeare, Macbeth e Hamlet, é cinema de verdade, não renegando o teatro e a partir dele dando origem a uma obra cujos elementos visuais superam, mas não anulam, a força da palavra. Se o cinema pode ser visto como uma reunião de todas as artes, o novo filme de Coimbra é uma prova eloquente de que tal definição é tão correta quanto incontestável. E também é inegável que são as imagens que definem tudo o que é registrado nesta obra admirável.
Estreando no longa-metragem com um filme excepcional, O lobo atrás da porta, Fernando Coimbra confirma com este Os enforcados as qualidades reveladas em 2013. Depois de vários trabalhos para a televisão e uma permanência no exterior, ele volta ao Brasil num momento em que o cinema nacional atravessa uma fase de premiações em festivais internacionais. E volta para enriquecer uma cinematografia por vezes acusada de insistir em filmes fixados em mazelas sociais, sem abordar suas causas, afastando-se assim das raízes de determinados problemas, desprezando, portanto, qualquer forma de um radicalismo destinado a derrubar paredes (como é visto no final do filme em cartaz) e expor as origens de injustiças e distorções. O novo trabalho do cineasta é admirável por muitos motivos, entre eles por valorizar as imagens, sobretudo os cenários, para chegar à essência do que está sendo narrado. Eis um exemplo de cinema que embora claramente inspirado em duas peças de Shakespeare, Macbeth e Hamlet, é cinema de verdade, não renegando o teatro e a partir dele dando origem a uma obra cujos elementos visuais superam, mas não anulam, a força da palavra. Se o cinema pode ser visto como uma reunião de todas as artes, o novo filme de Coimbra é uma prova eloquente de que tal definição é tão correta quanto incontestável. E também é inegável que são as imagens que definem tudo o que é registrado nesta obra admirável.
O cineasta, aliás, começou no teatro, vivendo um dos personagens de Boca de Ouro, de Nelson Rodrigues, autor cuja influência em Os enforcados é também evidente. O diretor vê a exploração de um jogo e os poderosos que o organizam, não apenas como um registo documental. Sua experiência no palco parece que lhe deram uma segurança na direção de intérpretes e na criação de personagens de modo que sua visão de um país às voltas com problemas criados por procedimentos ilegais e com doses poderosas de corrupção é colocada em cenas através de figuras reais, forma de fazer alegorias panfletárias, como algo perfeitamente dispensáveis. É a realidade que importa. É dela que o filme extrai os seus símbolos. Há momentos na narrativa que não é necessário qualquer esforço para que o espectador perceba sobre o que o diretor está falando. Ao falar da ambição, a obra termina revelando o que geralmente é ocultado, não apenas pelo cinema. Na verdade, estamos diante de um filme sobre a agressividade humana, nem sempre contida e quando liberada causadora dos maiores desastres.
Quando as primeiras imagens surgem na tela o que se vê é uma síntese do que será visto a seguir. Regina, esta ambiciosa rainha shakespeariana, investe com fúria sobre uma imagem carnavalesca, destruindo-a e já revelando a grande violência que a habita. Em seguida, fica claro que para ela e o marido, o prazer só pode ser alcançado por meio de agressão e violência. Uma fantasia que mais tarde dará origem a uma cena em que a realidade interfere. Uma ironia que não apenas neste momento aparece na narrativa. O filme, perfeito em todos os detalhes, se afasta de imagens televisivas, através de uma fotografia em que sombras predominam. E também na parte sonora a música contribui de forma decisiva para a atmosfera de uma obra destinada a realçar o papel exercido pela agressividade no comportamento humano. E por isso merecem destaque os nomes de Ulisses Malta Jr. e Mário Di. Pói. Exemplo de um cinema voltado para o contemporâneo e para as forças que comandam os indivíduos habitantes de um universo onde a inversão de valores predomina, o segundo longa-metragem de Fernando Coimbra também deixa sem voz os que acusavam o cinema brasileiro de não abordar o tema da corrupção. Não é apenas a competência e a segurança do cineasta que merecem ser realçados. Seu olhar para o cenário atual é marcado por aquela lucidez indispensável para os que pretendem iluminar cenários em que predominam máscaras e disfarces.

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