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Cinema
Hélio Nascimento

Hélio Nascimento

Publicada em 21 de Agosto de 2025 às 16:38

Duas mulheres

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Hélio Nascimento
Nascida em 1960 e realizando seu primeiro longa-metragem em 1989, só agora Patricia Mazui passa a ser conhecida aqui com este A prisioneira de Bordeaux, realizado em 2024. Ela não é, no entanto, figura de segundo plano no cinema francês. Ao contrário, tem seus admiradores. A se julgar pelo trabalho agora em cartaz ela é uma cultora de um cinema que, através da reconstituição do real, procura mostrar aspectos essenciais para a compreensão daquelas regras que regem o mundo. Vai no sentido contrário, portanto, da grande maioria dos filmes atuais, quase todos, principalmente os produzidos pelo cinema americano, voltados para a entrega ao público de uma mercadoria destinada a desviar a atenção de obras necessárias ao processo de conhecimento da realidade.
Nascida em 1960 e realizando seu primeiro longa-metragem em 1989, só agora Patricia Mazui passa a ser conhecida aqui com este A prisioneira de Bordeaux, realizado em 2024. Ela não é, no entanto, figura de segundo plano no cinema francês. Ao contrário, tem seus admiradores. A se julgar pelo trabalho agora em cartaz ela é uma cultora de um cinema que, através da reconstituição do real, procura mostrar aspectos essenciais para a compreensão daquelas regras que regem o mundo. Vai no sentido contrário, portanto, da grande maioria dos filmes atuais, quase todos, principalmente os produzidos pelo cinema americano, voltados para a entrega ao público de uma mercadoria destinada a desviar a atenção de obras necessárias ao processo de conhecimento da realidade.
Estas ainda encontram espaço nas salas destinadas a exibir obras que tenham algum significado. As demais, com raras exceções, permanecem ocupadas por trivialidades. Em outra época o cinema-espetáculo deu origem a muitos filmes que o tempo transformou em clássicos e também a títulos menos ambiciosos que resistiram ao processo de transformação e permaneceram como pontos reveladores de que a criatividade não se limitava a obras de inegável valor. É só olhar para o passado, sem nenhum estímulo do saudosismo, para verificar que êxitos de bilheteria nunca foram o contrário de obras marcadas pela inteligência criadora.
As causas de tal decadência não estão limitadas ao espaço cinematográfico, e a permanência de superficialidades, que formam a maioria da produção cinematográfica destinada às salas maiores, está a exigir a atenção não apenas da crítica cinematográfica. Tal fenômeno pode ser ilustrado com apenas um exemplo: Gritos e Sussurros permaneceu várias semanas em cartaz, numa sala grande e com quatro sessões diárias.
Voltando ao filme de Mazui, a obra pretende ser um ensaio sobre classes sociais em conflito, mas não naquela forma tornada clássica no Século 19 por pensadores que abordaram o tema de maneira a não confundir pensamento com atitudes ditadas pela imaturidade. Mazui, que é uma das roteiristas do filme, vê as diferenças de forma original, e até de certa maneira lamenta que duas personagens acabem sendo envolvidas por acontecimentos que a separam. O humanismo sugerido, ou o desejo de uma aproximação, terminam em confronto com uma dura realidade, que faz o passado das protagonistas intervir de forma a impedir qualquer tipo de aproximação. O filme pode ser acusado de partir de uma situação improvável. Porém, o mundo criticado pela realizadora não deixa de estar representado com uma habilidade que ressalta suas imperfeições e afasta a obra de qualquer forma de maniqueísmo.
O homem que foge depois de causar com sua irresponsabilidade a morte de pessoas e o contraventor que não vê os filhos são os representantes em cena das imperfeições a serem ressaltadas, numa narrativa que destaca ao mesmo tempo problemas decorrentes da organização em que vive o ser humano e deficiências de comportamento originadas por frustrações e causadoras de outro tipo de violência. Um procura a aproximação com a companheira; outro a rejeita. No final, quando ambas as protagonistas se afastam do passado a separação é evidente. Mas a família é, de certa forma, recomposta. Parece o tradicional epílogo. Mas é preciso notar que a liberdade não é alcançada. De um lado, vemos Isabelle Hupert cedendo ao valor material de obras de arte, sequência não desprovida de alguma ironia, com a entrega de um presente à servidora. De outro, Hafsia Hersi tentando escapar da fúria e das ameaças do passado e procurando reconstituir a harmonia essencial. Uma abandona o falso. A outra procura se aproximar do verdadeiro relacionamento entre seres humanos. O cinema da França, a se julgar pelos filmes aqui exibidos, está longe de um passado brilhante. Mas está vivo e capaz de produzir obras que merecem ser conhecidas.

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