Optando por imagens que expõem uma crise que transforma seres humanos em marionetes controladas por um poder invisível e sempre presente, Kiyoshi Kurosawa não pode, a se julgar por este Cloud, ser comparado ao grande nome do cinema do qual ele tem o sobrenome sem ser parente, mas merece um olhar atento do espectador. Enquanto vai erguendo sua filmografia, que tem recebido atenção e elogios, ele mostra - neste filme, pelo menos - que tem personalidade e, ao que tudo indica, está decidido a deixar sua marca no cinema contemporâneo. Não se limita ao cinema o tema proposto no filme. A fixação nas telas pequenas pode ter origens diversas e não há como negar que elas trouxeram benefícios ao cotidiano de cada um. Descontando as mentiras e os perigos gerados por falsas informações, os novos meios trazem benefícios inegáveis, ao tornar acessíveis tesouros registrados em outras épocas por cinegrafistas pioneiros e recuperando imagens e momentos tanto os relacionados à história como os que registraram episódios que marcaram o desenvolvimento das artes. Isso para não falar na conservação e divulgação de obras cinematográficas antes ameaçadas de destruição e agora preservadas. Mas Kurosawa está interessado em abordar outro tema.
O protagonista do filme, que recebeu no Brasil o acréscimo de Nuvem de vingança, trabalha em uma fábrica repetindo sempre os mesmos movimentos, uma provável referência a Tempos modernos, de Chaplin. Mas sua ambição e sua inconformidade são grandes e ele acaba, como revendedor, descobrindo a maneira de se tornar rico comprando produtos desvalorizados e conseguindo vendê-los por um preço bem maior. O cineasta não está muito preocupado em ser detalhista e em muitas passagens ele torna tudo demasiadamente fácil para o protagonista. Não há qualquer tipo de preocupação de reconstituir cada operação de forma a mais realista possível. Mas a partir do momento que os lesados se reúnem para a vingança o filme adquire um tom simbólico e certamente correto ao demonstrar que avanços tecnológicos não correspondem a algo similar na área do comportamento humano. O que se vê, então, é uma verdadeira quadrilha em ação, um grupo de amadores que agem como profissionais do crime e que terminam conduzindo o personagem para o reino das sombras.
E há, também, o que o filme tem de mais interessante: a utilização do cenário. É um mundo de objetos distorcidos e incompletos. A casa longe de Tóquio parece representar alguma harmonia, mas seu interior reflete algo que dá pouco espaço para o humano. É um complemento, essa utilização do cenário, que esclarece o comportamento dos personagens. Desde o assistente, que demitido volta para deixar bem claro para o protagonista a realidade em que vive, desde a companheira que acaba revelando suas verdadeiras intenções até o final de todos os projetos. O tiroteio certamente evidencia o gosto de Kurosawa pelo filme de ação, mas aqui, tendo tantos antecessores brilhantes, sobretudo no cinema americano, o cineasta nada mais faz do que seguir sem inspiração modelos antigos. Mas o filme vale ser visto, sobretudo pela constatação da permanência da violência primitiva que sobrevive num tempo de novas tecnologias. E também pela máscara usada por um dos vingadores, a constatação que também sobrevivem os que escondem o rosto enquanto se deixam levar pela irracionalidade. Kuroswa pode ser classificado como um realizador que trabalha em terreno que lembra o cultivado por Tarantino, mas está, ainda, longe do americano. Mas, de qualquer forma, é um dos que se recusam a seguir o caminho dos que preferem percorrer estradas conhecidas. A seu modo e com suas limitações, deixa um testemunho sobre uma época. O choro do protagonista diante do sonho desfeito e de um futuro inalcançável reflete o sofrimento depois da constatação de que a realidade é algo distantes das fantasias. Resta, para ele, o caminho do inferno.