Atualmente com 92 anos, Costa-Gavras, grego de nascimento, um dos nomes mais destacados do cinema francês e, de certa forma, um diretor universal por ter abordado fatos acontecidos em vários países, é mais um a permanecer lúcido e ativo. Foi obrigado a se afastar de seu país depois do chamado golpe dos coronéis, que deu início a vários atentados à democracia - um ciclo que seria interrompido, mas não totalmente desfeito, em 25 de abril de 1974, quando capitães do exército português derrubaram a ditadura salazarista num movimento que passou à História como a Revolução dos Cravos. A resposta e a vingança do cineasta, em seu exílio na França, foi Z, filme que obteve grande repercussão, nos primeiros anos da década de 1970, chegando a ganhar o Oscar de produção estrangeira. Foi um dos primeiros a ser proibido no Brasil de então. Quem acompanhou, na época, a cerimônia da Academia, foi premiado com uma exibição de alguns trechos, editados de forma admirável e que davam uma ideia da dramaticidade da narrativa. Logo em seguida, ele realizou A confissão, filme que mostrou que o diretor não tinha ficado cego para arbitrariedades praticadas por falsos defensores da democracia. Ao reconstituir a prisão e as torturas sofridas por Arthur London, integrante do governo tcheco, acusado de trair o partido comunista, o cineasta deixou claro que pretendia denunciar arbitrariedades de qualquer origem. Como era um filme a denunciar a esquerda, o filme foi liberado pela censura brasileira, mas a frase escrita por um resistente em um muro, 'Lenin, acorde, eles enlouqueceram', não pôde ser traduzida. Tentando esconder um equívoco grave, a censura brasileira caiu no ridículo, apagando um protesto que revelava os erros e os crimes daqueles que seus chefes combatiam.
O capítulo seguinte da filmografia de Costa-Gavras focalizou ditaduras latino-americanas, a uruguaia em 1972, com Estado de Sítio, e a chilena, em 1982, com Desaparecido, filme vencedor do Festival de Cannes. E depois, em 1988, com Atraiçoados, o realizador foi um dos primeiros a denunciar no cinema os chamados supremacistas brancos nos Estado Unidos. O painel é grande e também inclui outros temas a mostrar imperfeições, composto por filmes todos eles realizados com aquela competência e compreensão dos temas abordados que caracterizam os maiores. Causa surpresa em alguns que agora o cineasta aborde o tema da morte. Ele se baseou para isso num livro escrito por Regis Debray, que foi amigo de Che Guevara e até foi preso na Bolívia durante a guerrilha do médico argentino. O livro foi escrito em parceria com outro médico, Claude Grange. Trata-se agora de acompanhar a trajetória de um médico estudioso dos chamados recursos paliativos e mais do que isso: um praticante de um ritual que procura o conforto para aqueles que se acham diante do momento final de suas existências. É outro desafio a ser enfrentado pelo ser humano. E aqui, a busca pela serenidade equivale a um encontro com o inevitável marcado pela descoberta que a ira diante do epílogo é inútil e geradora da pior das dores.
O filme transcorre de maneira serena e fiel aos princípios da realidade cênica. E sua colocação entre os trabalhos mais famosos de Costa-Gavras pode ser facilmente constatada. Não se trata de um corpo estranho. A lucidez é a maior das armas do ser humano. Ela é também a mais forte, na medida em que é a que dita os melhores caminhos para evitar desconfortos e tiranias. Os inimigos são muitos, inúmeros deles eliminados durante o caminho, outros nos acompanham durante toda a existência: as normas disciplinadoras impostas pela civilização, as doenças, as ameaças da natureza, os conflitos entre nações que de uma forma ou outra atingem a todos e, principalmente, a certeza da morte. Ao terminar o filme com o convite para uma ida ao futuro, o cineasta não está apelando para um consolo inútil. Ele está colocando o espectador diante da resistência de qualquer adversidade, mesmo aquela que colocará um ponto final a uma história. É esta luta que gera a grandeza.