No ano de 1989, quando a Hungria abriu sua fronteira com a Áustria, permitindo assim que milhares de pessoas que viviam em países integrantes do Pacto de Varsóvia procurassem outro cenário para viver, teve início um processo que foi concluído em 26 de dezembro de 1991, quando a Federação Russa reconheceu a independência dos países que, sob a sua liderança, formavam a URSS. Foi o fim da chamada Guerra Fria, um conflito ideológico que dividiu a Europa, e de certa forma todo o Ocidente, em dois regimes: o pluripartidário e o controlado por um partido único; o da economia da livre concorrência e o de controle do estado. É nessa época que transcorre a ação de O grande golpe do leste, título brasileiro que é mais um que nada tem a ver com o original alemão: Dois por um, que reflete a situação econômica do período em que a moeda da então Alemanha Oriental tinha desvantagem expressiva diante daquela da Alemanha Ocidental. A diretora Natja Brunkhorst coloca a ação de seu filme em tal época, mas está mais interessada em acompanhar pessoas que vivem num tempo de transição radical do que tentar colocar na tela qualquer forma de ensaio sobre o fim do comunismo europeu e o início de uma nova fase. Aqueles que hoje são contemporâneos do conflito entre Rússia e Ucrânia certamente terão o que pensar ao constatarem que Alexander Dovjenko, um dos luminares do cinema soviético, o autor de Terra, A mãe e Shchors, era ucraniano.
A diretora Brunkhorst não é o primeiro nome a focalizar tal tema. No já longínquo 1961, Billy Wilder realizou Cupido não tem bandeira, um filme profético, pois tinha como protagonista um poderoso empresário interessado em colocar na então RDA um famoso refrigerante e tendo uma grande e desagradável surpresa na cena final. E não deve ser esquecido Adeus, Lenin, realizado em 2003 por Wolfgang Becker, no qual uma velha senhora adepta de um regime já extinto era transformada em espectadora do passado, a fim de que acreditasse de que tudo continuava como antes, que a perfeição então tivesse sido alcançada. Um consolo armado por uma série de truques. A vitória da fantasia. A diretora do filme atual está interessada em abordar o tema por outros ângulos, principalmente aqueles relacionados a aspectos ligados à importância da necessidade da mercadoria para a vida humana, o que remete o espectador para a página inicial de O capital, quando Marx a define como algo essencial para "o estômago e a fantasia".
Sonhos desfeitos para uns e inimigo vencido para outros, o regime que entrou em colapso devido a diversos fatores, entre eles o de ignorar leis dialéticas, terminou originando problemas não previstos pelos admiradores de simplificações. Brunkhorst pretende falar deles - desde as fronteiras entre amizades e paixões e a procura de uma salvação. E tudo é feito com leveza e humor, o que faz com que uma menina, representando o futuro, faça exigências para colocar à disposição do grupo de "investidores" a fortuna que acumulou em um brinquedo que, por ironia, lembra a nação que havia abdicado do seu domínio. E há em cena, também, políticos de ambos os lados, nos quais o propalado humanismo é apenas cobertura para o fascínio pela mercadoria. Esta, representada por centenas de pacotes, satisfaz necessidades e fantasias. O filme é em parte construído por fantasias, embora, segundo informações nos créditos finais, baseado em fatos reais. Na fase reconstituída a indomável natureza humana é claramente exposta. As palavras de ordem e os slogans são abandonados e substituídos por manifestações dedicadas a exaltar a segurança material. Eis uma comédia que sem ser brilhante faz pensar, até por colocar Jules e Jim num momento histórico. O filme repete a afirmação de que no centro de tudo está o ser humano. Ele deveria ser sempre a raiz procurada pelos radicais, aquela na qual se encontram todo os sonhos e todas as realizações.