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Cinema
Hélio Nascimento

Hélio Nascimento

Publicada em 10 de Julho de 2025 às 18:53

'Vermiglio', de Maura Delpero, e 'Dreams', de Johan Haugerud: dois filmes que fogem da rotina

Longa italiano 'Vermiglio' foi prêmio do Júri no Festival de Veneza e indicado do país  ao Oscar de filme internacional

Longa italiano 'Vermiglio' foi prêmio do Júri no Festival de Veneza e indicado do país ao Oscar de filme internacional

SYNAPSE FILMES/DIVULGAÇÃO/JC
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Hélio Nascimento
Enquanto as telas da cidade prosseguem dominadas pela rotina, alguns espaços se abrem para filmes não enquadrados em uma rotina que se coloca como uma muralha destinada a impedir a passagem de obras que pretendem dar testemunho sobre temas essenciais. São, tais espaços, abrigos para filmes destinados a fazer com que o olhar humano ilumine cenários desprezados por interesses devotados a operações destinadas a desviar a atenção do público. Os resistentes, tanto os que constroem como os que contemplam e prestigiam certos trabalhos, são certamente uma minoria, mas cujo número permite ainda que certas salas recebam um número de espectadores que permite uma certa dose de otimismo. Filmes como Vermiglio, a noiva da montanha, de Maura Delpero, e Dreams, do norueguês Johan Haugerud, que venceu o Festival de Berlim deste ano, são exemplos de obras que reúnem méritos suficientes para entrar na agenda de todo espectador mais atento. A constatação das qualidades de um filme sempre passa pela subjetividade dos que o contemplam. Mas acima disso sempre estará algo igualmente importante: a percepção de suas propostas. E também seria uma negligência não perceber a qualidade na construção da obra.
Enquanto as telas da cidade prosseguem dominadas pela rotina, alguns espaços se abrem para filmes não enquadrados em uma rotina que se coloca como uma muralha destinada a impedir a passagem de obras que pretendem dar testemunho sobre temas essenciais. São, tais espaços, abrigos para filmes destinados a fazer com que o olhar humano ilumine cenários desprezados por interesses devotados a operações destinadas a desviar a atenção do público. Os resistentes, tanto os que constroem como os que contemplam e prestigiam certos trabalhos, são certamente uma minoria, mas cujo número permite ainda que certas salas recebam um número de espectadores que permite uma certa dose de otimismo. Filmes como Vermiglio, a noiva da montanha, de Maura Delpero, e Dreams, do norueguês Johan Haugerud, que venceu o Festival de Berlim deste ano, são exemplos de obras que reúnem méritos suficientes para entrar na agenda de todo espectador mais atento. A constatação das qualidades de um filme sempre passa pela subjetividade dos que o contemplam. Mas acima disso sempre estará algo igualmente importante: a percepção de suas propostas. E também seria uma negligência não perceber a qualidade na construção da obra.
Vermiglio transcorre numa vila italiana durante a Segunda Guerra Mundial. O mais interessante no filme é que, ao esconder dois desertores, os habitantes fazem com que os acontecimentos que sintetizam um resumo da marcha da civilização, desde o instinto até a implementação da disciplina, sejam uma síntese reveladora. O pai é a presença mais importante, até por ser, também, o professor e o orientador. A sala de aula, ocupada por crianças, jovens e adultos, é o símbolo da sociedade passando pelo processo civilizador. Mas o pai também é vítima de forças disciplinadoras, e não apenas, a partir dos cigarros que esconde numa gaveta, algo que a nova geração acaba descobrindo.
Mas não se resume a isso o filme de Delpero. Os dois desertores pouco falam e um deles também esconde algo fundamental. E ao registrar o gesto de amor no epílogo do filme, a cineasta termina focalizando a vitória do mais poderoso dos instintos. Eis um filme que dispensa comentários de sua realizadora. Apenas os acontecimentos e os rituais encenados são suficientemente eloquentes para afastar simplificações. Ao focalizar uma determinada realidade, o filme focaliza não apenas estruturas e processos como também faz com que a tela seja ocupada por gestos, atitudes e comportamentos reveladores. E também não esquece de colocar em cena sonhos e frustrações.
Dreams é a última parte de uma trilogia cinematográfica, cujos primeiros títulos foram Sex e Love. Um dos prováveis mestres do diretor Haugerud, Sigmund Freud, também usou a forma de uma trilogia, quando publicou, em 1905, Três estudos sobre a sexualidade, que a respeito do qual o próprio autor, no prefácio, expressou o "ardente desejo que o livro envelheça rapidamente e o que nele, uma vez, foi novidade, possa tornar-se geralmente aceito e que o que nele estiver imperfeito possa ser substituído por algo melhor". Basta acompanhar o noticiário para constatar que essa manifestação, sincera, corajosa e de certa forma inédita, não foi integralmente atendida. Haugerud realizou seus filmes de forma a registrar o diálogo do ser humano com sua sexualidade. E o faz de forma a registrar seu encontro com forças por ele desconhecidas. É o que acontece em Dreams de forma a acentuar impasses.
O tema da escada gigantesca que parece levar a lugar nenhum coloca duas representantes de uma geração anterior no centro de um turbilhão, antecede o tranquilo encontro das duas ex-alunas na cena final, uma aceitação e uma manifestação de maturidade. O filme não recorre a dissertações, mas revela, na descoberta do talento literário da protagonista, que a geração de obras de arte, sendo elas autobiográficas ou não, têm como ponto de partida experiências pessoais de seus autores, nos quais a sexualidade sempre ocupa papel relevante.
 

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