O panorama cinematográfico não se tem apresentado, nos últimos anos, de forma a permitir um seguro otimismo pensando no futuro. Impossível negar que os filmes mais comprometidos com visões esclarecedoras e com formas comprometidas com o humano já não conseguem mais alcançar o mesmo público de outrora. Um reflexo de como certos espaços de comunicação são utilizados. Eis aqui um exemplo poderoso: recentemente faleceu Enzo Staiola. Poucos foram os colunistas que dele se lembraram. No entanto, ele foi o protagonista do memorável Ladrões de Bicicletas, que Vittorio De Sica realizou em 1948, a partir de um roteiro de Cesare Zavattini, por sua vez inspirado num livro de Luigi Bartolini. O filme, que nos anos de 1962 foi apontado como o melhor de todos os tempos na enquete mundial feita pela revista londrina Sight and Sound, tem um final dos mais belos de todos os tempos quando o personagem de Staiola, então um menino, salva o pai da ira de vários homens que pensam estar diante de um ladrão comum. Vale ressaltar que as listas da Sight and Sound, publicadas de dez em dez anos, refletem a opinião de pessoas ligadas ao cinema em vários países e não de redatores de uma determinada publicação. Ladrões de Bicicletas recebeu o Oscar de filme estrangeiro e Zavattini venceu em sua categoria. Uma curiosidade: na cena da chuva, um dos religiosos, ainda magro, é o futuro cineasta Sergio Leone, o realizador de outra obra-prima, Era Uma Vez na América.
O fato de filme notáveis como Levados pelas Marés só encontrarem espaço em salas alternativas, focos de resistência que merecem o acompanhamento de sua programação, evidencia de forma bem clara que o interesse do público por obras que lanças luzes sobre cenários não iluminados diminuiu de forma expressiva, algo que apenas revela o exagerado interesse por futilidades, cada vez maior nas telas, desde os abomináveis filmes de curta duração, utilizados em alguns cinemas, chamando a atenção do público para detalhes sem importância alguma. O cinema tem um passado riquíssimo e poderia contribuir para um futuro melhor se certos exibidores tivessem, pelo menos, senso de ridículo. E há também os que pouco ligam para a qualidade de projeção, por vezes arruinando filmes com a falta de luz e nitidez na projeção, o que é o mínimo exigido para um espetáculo cinematográfico. Colocam-se, assim, ao lado de formas de exibição que estão contribuindo para que o público, com alguma razão, prefira outros meios de ver um filme. Estão certos os que percebem na submissão às pequenas telas um mal que a atenção para um filme durante duas horas pode enfrentar com sucesso.
O panorama, no entanto, é nada favorável. Filmes endereçados a plateias submissas são tratados como ensaios relevantes sobre a natureza humana e as complexidades da vida moderna. O habitualmente divulgado lembra certas publicações antigas dedicadas à vida social hollywoodiana. Realizadores preocupados com temas relevantes encontram cada vez mais dificuldades. Isso tudo talvez possa explicar o número cada vez maior de festivais, reuniões nas quais certos filmes conseguem ser exibidos, para depois serem repudiados pelo circuito exibidor. E há também o fato de realizadores mais novos terem dificuldades em falar com o público sobre temas sérios e portadores de luz, como no passado foram Chaplin, Ford, Hitchcock, Lean Visconti, Bergman, Makiewicz e muitos outros. Ou é a indústria cinematográfica que não quer mais dialogar com quem tem algo a dizer. Parece que a crise de valores chegou, também ao cinema. Um cineasta ainda jovem disse há décadas, que todos os filmes bons já foram feitos. Uma provocação e um exagero. Mas se Peter Bogdanovich fosse hoje vivo, certamente sorriria diante dos que na época o criticaram. Não faz muito tempo que Woody Allen, respondendo a um amigo, em Dirigindo no Escuro, que o quer convencer a não filmar enquanto cego, pergunta: "Você não está indo ao cinema para ver o que o pessoal está fazendo"? Com as exceções de sempre, claro.