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Cinema
Hélio Nascimento

Hélio Nascimento

Publicada em 26 de Junho de 2025 às 18:43

'Levados pelas marés', de Jia Zhang-ke: o tempo e o mundo

Jia Zhang-ke, diretor de 'Levado pelas marés', é um dos realizadores favoritos do brasileiro Walter Salles

Jia Zhang-ke, diretor de 'Levado pelas marés', é um dos realizadores favoritos do brasileiro Walter Salles

FILMES DA MOSTRA/DIVULGAÇÃO/JC
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Hélio Nascimento
Quando das exibições de Um toque de pecado, em dezembro de 2013, colocamos o chinês Jia Zhang-ke entre os maiores cineastas da atualidade. Não é possível agora, diante de Levados pelas marés, mudar de opinião. A época no cinema, como se sabe, é dominada por superficialidades e até a exaltação de propostas claramente voltadas para atrair o olhar humano na direção de signos desprovidos de importância e de personagens que só existem na imaginação de roteiristas e diretores desprovidos de talento. Porém, como sempre acontece, valores sempre serão mantidos pelos resistentes, como este cineasta que agora está voltando para nossas telas, acompanhado por um documentário sobre ele, dirigido pelo seu grande admirador Walter Salles. O filme atual é outra obra magnífica, um painel que cobre vinte anos, as primeiras duas décadas do século. A própria obra de Zhang-ke reflete a história da China dos últimos anos, tanto pelas dificuldades que o cineasta tem enfrentado como pelos avanços no setor da exibição e da produção cinematográficas. No documentário de Salles, o diretor revela que alguns de seus filmes, embora com a produção autorizada, não chegam aos cinemas do seu país, mas podem ser vistos em casa, mesmo que premiados em festivais importantes e elogiados quase sempre pela crítica. Isso significa que sua exportação é autorizada, até porque o regime de coprodução facilita o trânsito de certos filmes.
Quando das exibições de Um toque de pecado, em dezembro de 2013, colocamos o chinês Jia Zhang-ke entre os maiores cineastas da atualidade. Não é possível agora, diante de Levados pelas marés, mudar de opinião. A época no cinema, como se sabe, é dominada por superficialidades e até a exaltação de propostas claramente voltadas para atrair o olhar humano na direção de signos desprovidos de importância e de personagens que só existem na imaginação de roteiristas e diretores desprovidos de talento. Porém, como sempre acontece, valores sempre serão mantidos pelos resistentes, como este cineasta que agora está voltando para nossas telas, acompanhado por um documentário sobre ele, dirigido pelo seu grande admirador Walter Salles. O filme atual é outra obra magnífica, um painel que cobre vinte anos, as primeiras duas décadas do século. A própria obra de Zhang-ke reflete a história da China dos últimos anos, tanto pelas dificuldades que o cineasta tem enfrentado como pelos avanços no setor da exibição e da produção cinematográficas. No documentário de Salles, o diretor revela que alguns de seus filmes, embora com a produção autorizada, não chegam aos cinemas do seu país, mas podem ser vistos em casa, mesmo que premiados em festivais importantes e elogiados quase sempre pela crítica. Isso significa que sua exportação é autorizada, até porque o regime de coprodução facilita o trânsito de certos filmes.
No princípio a alegria predomina, tudo parece perfeito como o canto de um grupo feminino. Mas aos poucos as imagens vão revelando que um cenário está sendo destruído para que espaços sejam ocupados por novos elementos. E num teatro semiabandonado um retrato de Mao-Tsé-Tung é conservado. Eis o primeiro sinal de uma trajetória perturbadora, por trazer a lembrança da Revolução Cultural, um período no qual o regime de partido único programou a humilhação de dissidentes, a censura rigorosa, a separação de famílias e com isso, de certa forma, liberou a agressividade contra qualquer diferença. E ao não permitir a crítica estagnou a nação, petrificada no louvor ao líder máximo. Tal período foi superado, sobretudo pelas leis da realidade que não permitem o sufocamento de forças que estão acima de precariedades humanas, algo bem claro na visita de Nixon e Kissinger ao país, certamente em busca de um acordo comercial no qual as chamadas terras raras, elemento essencial ao mundo em que vivemos, formaram o tema mais abordado. Começou, em 1972, uma nova fase para a China e para o Mundo Ocidental. Esta primeira fase é reconstituída por Zang-ke que, fugindo de todos os lugares-comuns, concede espaço para o indivíduo, para rostos diversos, algo que lembra o clássico Um homem e uma câmera, de Dziga Vertov. O desfilar de imagens coloca o espectador diante de algo essencial: o ser humano que vive em tal espaço em transformação.
Essa aproximação ao cotidiano de indivíduos diversos, que formam o elemento essencial na transformações materiais e exploração da natureza, revela que a figura mais importante de todo um processo nem sempre é levada em consideração. A grande represa é o mais importante, e a busca pelo consumo, algo primordial. As cenas dos robôs em lojas não apenas focalizam o inegável avanço técnico, mas a aproximação do ser humano com o artificialismo, que até parece captar sua tristeza e frustração. E há também a violência entre grupos, imperfeições de todo o tipo e a busca incessante pelo perdido, simbolizado por uma relação interrompida e definitivamente rompida pela exaltação do coletivo que avança pela noite, transformado em multidão que corre e acolhe aquela que poderia ser chamada de protagonista deste filme, que na verdade é um ensaio em imagens sobre a solidão humana numa época em que o produto do trabalho não tem seu principal agente glorificado. Enquanto muitos procuram transformar o cinema em espetáculo de feira, outros, como Zhang-ke, procuram realçar sua verdadeira missão: mostrar o mundo, revelar suas engrenagens e exaltar a figura principal desta história sem fim.
 

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