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Cinema
Hélio Nascimento

Hélio Nascimento

Publicada em 19 de Junho de 2025 às 20:17

'Na teia da aranha', de Kim Yeon-Shick: um filme incompleto

Na Teia da Aranha, do renomado cineasta Kim Jee-woon, estreou nos cinemas brasileiros em 12 de junho

Na Teia da Aranha, do renomado cineasta Kim Jee-woon, estreou nos cinemas brasileiros em 12 de junho

/PANDORA FILMES/DIVULGAÇÃO/JC
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Hélio Nascimento
Alguns filmes têm, pelo menos, uma função não prevista por seus realizadores: ativar a memória e fazer com que obras do passado sejam projetadas pela imaginação do cinéfilo. Por vezes é também possível constatar, através da revisão de obras de outra época, como parte do cinema perdeu com o tempo a capacidade de iluminar determinadas situações. Não é justo nem apropriado falar em decadência e exaltar os "bons tempos". Num filme célebre, Esta noite é minha, realizado em 1952, René Clair coloca em cena um compositor que a cada noite sonha com um tempo, para ele, ideal, e a cada sonho retrocede no tempo, em busca do paraíso. Termina na idade da pedra. Há momentos em que o cinema também manifesta essa saudade de outra época. Numa cena célebre de A cidade dos desiludidos, realizada em 1962, um cineasta americano em Roma, ao lado de um ator, projeta uma cena de um filme realizado dez anos antes, Assim estava escrito, uma obra-prima, e exclama: "Como eu era grande!" Tratava-se de uma mescla de ficção e realidade. O diretor em questão, interpretado por Edward G, Robinson, era uma referência a Vincente Minnelli, o realizador dos dois filmes, ambos interpretados por Kirk Douglas. Parecia que o cineasta fictício estava falando como se fosse o verdadeiro, olhando para o passado e constatando o declínio. Algo que, por sinal, muitos críticos não concordam.
Alguns filmes têm, pelo menos, uma função não prevista por seus realizadores: ativar a memória e fazer com que obras do passado sejam projetadas pela imaginação do cinéfilo. Por vezes é também possível constatar, através da revisão de obras de outra época, como parte do cinema perdeu com o tempo a capacidade de iluminar determinadas situações. Não é justo nem apropriado falar em decadência e exaltar os "bons tempos". Num filme célebre, Esta noite é minha, realizado em 1952, René Clair coloca em cena um compositor que a cada noite sonha com um tempo, para ele, ideal, e a cada sonho retrocede no tempo, em busca do paraíso. Termina na idade da pedra. Há momentos em que o cinema também manifesta essa saudade de outra época. Numa cena célebre de A cidade dos desiludidos, realizada em 1962, um cineasta americano em Roma, ao lado de um ator, projeta uma cena de um filme realizado dez anos antes, Assim estava escrito, uma obra-prima, e exclama: "Como eu era grande!" Tratava-se de uma mescla de ficção e realidade. O diretor em questão, interpretado por Edward G, Robinson, era uma referência a Vincente Minnelli, o realizador dos dois filmes, ambos interpretados por Kirk Douglas. Parecia que o cineasta fictício estava falando como se fosse o verdadeiro, olhando para o passado e constatando o declínio. Algo que, por sinal, muitos críticos não concordam.
Outros filmes falaram da criação cinematográfica, alguns deles capítulos brilhantes da História do Cinema. Talvez o maior deles seja A noite americana, que François Truffaut realizou em 1973, no qual eram reconstituídos fatos ocorridos durante a realização de um filme, do qual eram exibidas várias cenas, muitas com referências diretas à vida do realizador e dos atores e atrizes. O filme de Truffaut ganhou o Oscar de obra estrangeira, um dos acertos da Academia, que assim aumentou a visibilidade de uma obra-prima. E todos certamente se lembram de Oito e meio, de Federico Fellini, realizado em 1963, onírico e realista, quase um diário, uma reconstituição do método felliniano de contar uma história. E não deve ser esquecido O desprezo, para muitos o título maior da filmografia de Jean-Luc Goddard, produzido em 1963, uma homenagem a Fritz Lang, que atuava como ator, no papel de um cineasta realizando uma versão de A Odisseia.
É nesta turma que o cineasta coreano Kim Yeon-Shick pretende entrar com Na teia da aranha, no qual o protagonista é um diretor que tenta refilmar algumas cenas de um filme, certo de que assim o transformará em uma obra-prima. Mas, com toda a certeza, ele não é páreo para os realizadores citados. Ele terá de enfrentar a resistência dos donos do estúdio e os obstáculos da censura da época, a década de 1970 do século passado, além, é claro, o estrelismo de alguns intérpretes não satisfeitos em voltar ao trabalho e dominados por confusões geradas por comportamentos imaturos. O problema, entre outros e que não há sinal de alguma obra-prima. Fala-se muito em plano-sequência, mas o que aparece no final é algo marcado por planos curtos. E o tema da liberdade de criação nem chega a ser explorado. É verdade que não é apropriado apenas exaltar o passado e falar em decadência. Mas, sem dúvida, é uma tentação falar em declínio depois da contemplação de um passado no qual havia tempo para o espectador contemplar a realidade filmada. Parece que no filme a elaboração foi deixada de lado, substituída por uma forma de expressão que passa longe de uma crítica à falta de liberdade, seja a gerada por questões ideológicas, seja as determinadas por questões puramente econômicas. Tais dilemas que deveriam ser melhor aproveitados aparecem apenas como caricaturas, seja as do chefe do estúdio, seja a do representante de um sistema opressor. O passado julgará o presente, disse um crítico literário. Neste caso e em muitos outros, o resultado do julgamento será certamente severo.
 

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