Hélio Nascimento
O diretor Paul Schrader não parece muito interessado em ser claro em Oh, Canadá, sobre um documentarista pertencente àquela geração que viu no país vizinho um território livre capaz de impedir as autoridades americanas de enviar jovens para o Vietnã. O filme marca o reencontro do cineasta com o ator Richard Gere, que foi o protagonista de Gigolô americano, realizado em 1980, e tem como condutor da ação uma entrevista do protagonista, vítima de uma doença terminal e que, em seus últimos momentos, pretende revelar aspectos não conhecidos de sua vida. Os entrevistadores são por eles mesmos definidos como admiradores da obra do documentarista entrevistado. Mas isso não impede o gesto de esconder uma minúscula câmera no quarto do doente a fim de registrar o cotidiano de um agonizante, depois que a mulher do protagonista interrompe a entrevista. Schrader, menos conhecido do que seus colegas que a partir dos anos 1970 renovaram o cinema americano, escreveu, no entanto, trabalhos tidos como clássicos, entre eles Taxi Driver - Motorista de táxi, que Martin Scorsese realizou em l976. Suas habilidades como escritor de cinema parecem ausentes do filme, que não aprofunda seus relacionamentos familiares e nem clarifica suficientemente sua ausência entre os jovens enviados à guerra. Fica sugerido, numa cena no qual o toque panfletário não está ausente, de que certas influências conseguiram sua liberação. Também merecia mais atenção a recusa do filho, não aceito de forma extremamente agressiva e marcada por inegável desprezo.
Aproveitando-se de falhas na memória do personagem principal, Schrader altera por vezes a realidade da passagem do tempo, até mesmo substituindo, na mesma sequência, como no encontro com o pai e o tio, Richard Gere por Jacob Elordi. Nesta sequência, por sinal, há referências a escritores americanos que, ao lado de sua atuação nas letras, não desprezaram atividades mais lucrativas, um tema certamente dotado de uma riqueza que o filme deixa escapar, mas que pelo menos aparece como informação. Infelizmente, principalmente nas cenas iniciais a clareza está ausente, como se o cineasta fosse um daqueles estreantes que, procurando ocultar falhas, embaralhando imagens e situações, tentam passar por inovadores a serem reabilitados no futuro. Nos jovens isso pode ser perdoado ou compreendido, mas num veterano como Schrader pode perfeitamente ser criticado. Nem todos são Orson Welles ou Alain Resnais, descobridores de novos caminhos, mas sempre é necessário lembrar que Stanley Kubrick, Ingmar Bergman (o primeiro homenageou o segundo numa cena de 2001), Jean Renoir, Luchino Visconti, Alfred Hitchcock, John Ford e David Lean, sem esquecer a genialidade de Charles Chaplin, sempre valorizaram recriar a realidade através de personagens cujo destino evidenciava o funcionamento das engrenagens que regem o mundo. Com a colaboração do fotógrafo Andrew Wonder, o cineasta procurou um tom sombrio para a maioria das cenas, o que contribui para que certos temas permaneçam obscuros.
É na questão das imagens do filme que reside para o espectador o principal problema, pelo menos aqui em Porto Alegre. Não é possível admitir que, numa fase em que já existem projeções a laser, alguns filmes sejam apresentados de forma tão deficiente. Em alguns momentos é praticamente impossível distinguir as figuras na tela. E nas cenas exteriores, onde a luz deveria predominar, a palidez predomina. Ao acessar o YouTube, onde o trailer do filme está disponível, é possível ter ideia das imagens verdadeiras. Isto não deveria acontecer, pois no cinema é que o visual da obra deveria ser inteiramente valorizado. Se acontece o contrário, é porque algo está contribuindo para o enfraquecimento da força do cinema. É necessário enfrentar com a devida competência as ameaças. É fundamental que o cinema volte a impor seu valor principal, a imponência e a clareza das imagens, o que está acontecendo com as reedições em 4K. Infelizmente, não é o que estamos vendo na forma com que Oh, Canadá está sendo apresentado.