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Cinema
Hélio Nascimento

Hélio Nascimento

Publicada em 08 de Maio de 2025 às 18:39

'Uma Última Viagem', de Filip Hammar e Fredrik Wikingsson: Pai e filho

Documentário 'Uma Última Viagem' tem tido jornada de sucesso nos cinemas brasileiros

Documentário 'Uma Última Viagem' tem tido jornada de sucesso nos cinemas brasileiros

NORDISK FILM/DIVULGAÇÃO/JC
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Hélio Nascimento
Afirmar que o documentário está começando a ocupar o espaço que merece no mercado exibidor cinematográfico seria certamente um exagero. Mas a presença nas telas de Sem chão, premiado com o Oscar, e de Uma última viagem, uma produção sueca indicada pelo seu país ao prêmio da Academia de Hollywood, indica que o gênero está recebendo mais atenção do que antes. O segundo, por sinal, chega aos cinemas brasileiros distribuído por uma grande empresa americana e, na Suécia, foi um inesperado e festejado sucesso de bilheteria. Sua realização se deve a dois cineastas, Filip Hammar e Fredrik Wikingsson, dois colegas de profissão, o primeiro filho do personagem central do relato, que mescla cenas do passado e do presente, numa tentativa de retirar o protagonista do domínio de uma letargia que parece ser o derradeiro ato de uma vida. O passado ressurge através de gravações domésticas, sonoras e visuais, e o presente aparece através do registro de uma viagem que leva o protagonista, um professor de francês, aos locais que foram cenários de momentos marcantes e felizes de sua existência. A viagem o leva a França, país de sua admiração, presente também no livro que o personagem leva consigo, uma biografia de Charles De Gaulle, que ele pensa ser o último a ser lido na vida.
Afirmar que o documentário está começando a ocupar o espaço que merece no mercado exibidor cinematográfico seria certamente um exagero. Mas a presença nas telas de Sem chão, premiado com o Oscar, e de Uma última viagem, uma produção sueca indicada pelo seu país ao prêmio da Academia de Hollywood, indica que o gênero está recebendo mais atenção do que antes. O segundo, por sinal, chega aos cinemas brasileiros distribuído por uma grande empresa americana e, na Suécia, foi um inesperado e festejado sucesso de bilheteria. Sua realização se deve a dois cineastas, Filip Hammar e Fredrik Wikingsson, dois colegas de profissão, o primeiro filho do personagem central do relato, que mescla cenas do passado e do presente, numa tentativa de retirar o protagonista do domínio de uma letargia que parece ser o derradeiro ato de uma vida. O passado ressurge através de gravações domésticas, sonoras e visuais, e o presente aparece através do registro de uma viagem que leva o protagonista, um professor de francês, aos locais que foram cenários de momentos marcantes e felizes de sua existência. A viagem o leva a França, país de sua admiração, presente também no livro que o personagem leva consigo, uma biografia de Charles De Gaulle, que ele pensa ser o último a ser lido na vida.
Uma última viagem, portanto, não é apenas um documentário: é também uma espécie de diário, onde fica registrada uma tentativa de trazer um indivíduo de volta à vida, fazendo reviver um passado repleto de ação e momentos felizes. É curioso que, numa fase em que a humanidade enfrenta desafios e acontecimentos no mínimo preocupantes, um cineasta - Hammar é o autor da ideia e Wikingsson o acompanha na jornada - tenha se voltado para um problema pessoal, através do qual pretenda deixar testemunho de amor filial, mesmo enfrentando inúmeros desafios. Seria fácil questionar tal opção, mas a realidade termina se impondo e a narrativa não é ocupada apenas por um passeio. Um acidente em um hotel termina revelando que nada é fácil na tentativa do filho. É um acontecimento que, se o filme fosse uma ficção baseada na realidade, ilustra perfeitamente o fato de um determinado acontecimento se tornar um símbolo revelador de obstáculos, não havendo necessidade alguma do emprego de recursos artificiais. Mas os realizadores também mostram que a encenação pode recriar o real, na sequência do desentendimento no trânsito, quando o teatro invade a realidade, num dos melhores momentos do filme.
É também importante ressaltar que o filme é também uma saudável reação aos artificialismos atualmente dominantes. As fantasias que ocupam a maioria das telas procuram retirar os espectadores da realidade. Mesmo que Uma última viagem possa ser questionado por não se aproximar de conflitos inerentes ao universo familiar, não é possível negar ao filme este desejo de alcançar a desejada harmonia. E no seu epílogo, o brinde sendo praticado com um elemento auxiliar, uma espécie de motivo condutor no desenrolar da ação, fica bem claro que uma volta completa ao passado será impossível diante da passagem impiedosa do tempo. Porém, fica registrada a ação de uma vida, a alegria em transformar conhecimentos em laços de amizade indestrutíveis, a paixão por culturas de outros países, o amor pela liberdade e até o fascínio pelo sapateado, essa dança plena de energia e beleza.
Muitos consideram o documentário a essência do cinema. Talvez tenham razão. Mas é possível também afirmar que a grande ficção nunca se afasta do real. Ela encontra, quando manejada pelo talento e pela imaginação, a sua origem. Na verdade, o grande cinema é sempre uma forma de documentário, até mesmo quando decifra fantasias. O filme de Hammar e Wikingsson não deixa de ser uma fantasia, na medida em que procura recriar o passado, um patrimônio de todos. Um tesouro quando devidamente decifrado. Levado por um impulso generoso, o filme se impõe ao registrar a perenidade da memória.
 

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