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Cinema
Hélio Nascimento

Hélio Nascimento

Publicada em 01 de Maio de 2025 às 22:30

Cidade dos Sonhos, de David Lynch: A volta de um enigma

Laura Harring e Naomi Watts em Cidade dos Sonhos

Laura Harring e Naomi Watts em Cidade dos Sonhos

/WARNER/DIVULGAÇÃO/JC
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Hélio Nascimento
A reapresentação de filmes é cada vez mais rara, sobretudo na forma adequada. Deveria ser algo praticado com mais frequência, pois os novos processos de projeção valorizam a imagem e encaminham para o passado irregularidades e imperfeições causadas por desleixos na época da película em 35 milímetros. Mesmo assim - e algumas reedições eram feitas com perfeição a partir dos negativos originais - espectadores das últimas décadas do século passado puderam ver na tela certa clássicos, alguns da época do cinema silencioso. Atualmente, tais filmes sobrevivem em telas pequenas, um simulacro de cinema, mas que pelo menos permite que obras de importância continuem revelando parcialmente seus méritos e impondo sua perenidade. Mas as cinematecas e os centros culturais continuam sendo cidadelas de resistência, E há fatos a ser registrados, como a iniciativa da Netflix em adquirir um dos maiores cinemas de Los Angeles e dotá-lo de todos meios de projeção, modernos e antigos, a fim de que filmes de todas as épocas possam ser devidamente apreciados. A volta de Cidade dos sonhos (Mulholland Drive), realizado em 2001 por David Lynch (1946-2025), é, portanto, algo a ser valorizado, pois permite que o filme, reeditado a partir do negativo original, possa ser devidamente apreciado e aplaudido por seus admiradores.
A reapresentação de filmes é cada vez mais rara, sobretudo na forma adequada. Deveria ser algo praticado com mais frequência, pois os novos processos de projeção valorizam a imagem e encaminham para o passado irregularidades e imperfeições causadas por desleixos na época da película em 35 milímetros. Mesmo assim - e algumas reedições eram feitas com perfeição a partir dos negativos originais - espectadores das últimas décadas do século passado puderam ver na tela certa clássicos, alguns da época do cinema silencioso. Atualmente, tais filmes sobrevivem em telas pequenas, um simulacro de cinema, mas que pelo menos permite que obras de importância continuem revelando parcialmente seus méritos e impondo sua perenidade. Mas as cinematecas e os centros culturais continuam sendo cidadelas de resistência, E há fatos a ser registrados, como a iniciativa da Netflix em adquirir um dos maiores cinemas de Los Angeles e dotá-lo de todos meios de projeção, modernos e antigos, a fim de que filmes de todas as épocas possam ser devidamente apreciados. A volta de Cidade dos sonhos (Mulholland Drive), realizado em 2001 por David Lynch (1946-2025), é, portanto, algo a ser valorizado, pois permite que o filme, reeditado a partir do negativo original, possa ser devidamente apreciado e aplaudido por seus admiradores.
Lynch, prestigiado por séries de televisão e por filmes que, utilizando formas de expressão aparentemente corriqueiras, procuravam ser instrumentos reveladores de elementos ocultos da sociedade americana, tem em sua obra um título notável, O homem elefante, realizado em 1980. Ele também recebeu uma Palma de ouro em Cannes por Coração selvagem, em 1990. Em 2022, ele aceitou um convite de Steven Spielberg para interpretar o grande John Ford na cena final de Os Fabelmans, quando o cineasta de A lista de Schindler revelou ao público um episódio decisivo em sua vida. O curioso é que, pelo menos em A cidade dos sonhos, o cinema de Lynch está muito distante daquele do mestre de Rastros de ódio. Ford e os outros grandes do cinema americano sempre cultivaram um cinema aberto para o público em geral. Nunca se preocuparam em criar algo obscuro, embora muitas vezes tenham desenvolvido, no mesmo filme, dois temas: um exposto por uma narrativa tradicional e outro visível no cenário, nos olhares e em símbolos captados pela imagem e vistos pelos mais atentos. Propunham uma leitura de um sonho. Esta técnica, que nunca expulsou o público das salas, espalhou-se pelo mundo todo, sendo, portanto, um erro vê-la apenas como uma tentativa de impor facilidades.
O filme de Lynch agora reprisado não deve ser visto como algo original. Na época, Buñuel já tinha realizado sua trilogia formada por O discreto charme da burguesia, O fantasma da liberdade e Esse obscuro objeto do desejo, obras presentes em Cidade dos sonhos, inclusive pela utilização das mesmas atrizes em papéis diferentes. Além disso, a loira e a morena, clara citação do Hitchcock de Vertigo, serve para lembrar que aquele outro mestre nunca propôs ao público quebra-cabeças. Sempre terminou seu filme com a luz do esclarecimento. E até concluiu sua filmografia com uma atriz olhando para o espectador e piscando um olho, como a dizer: tudo é apenas um filme. Mas não há como negar em Lynch habilidades e uma visão dotada de ironia. O olhar da aspirante a estrela de Hollywood e seu sorriso carregado de ingenuidade é perfeito para ilustrar uma fantasia desfeita por tudo o que depois acontecerá. Provavelmente, ele procurou resumir a questão na cena em que, de uma esquina, surge uma imagem capaz de causar espanto e horror. É fácil deformar a realidade e tornar difícil para o espectador esclarecer obscuridades deliberadamente procuradas. Difícil é ver no real os significados não percebidos num primeiro olhar. Quando o filme aqui foi lançado em maio de 2002, escrevemos uma crônica intitulada Realidade soterrada. Não há motivo para mudar de opinião, mesmo reconhecendo que os decifradores de enigmas encontrarão material de seu interesse. Mas não é esta a função do cinema.
 

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