Diante de um filme como O brutalista, qual seria a atitude correta? Falar sobre tempo de projeção, a utilização de intervalo, a menção ao Vistavision (um método utilizado nos anos 1950, para tornar a imagem mais nítida, quando ainda se utilizava película e do qual é usado agora apenas o espaço original), elogiar os dois atores principais, ambos excelentes, vê-lo apenas como uma crítica aos Estados Unidos, ou salientar que em seu desenrolar há coisas mais relevantes a mencionar? O novo filme de Brady Corbet tem dividido opiniões, sendo que algumas delas estão localizadas naquele espaço onde muito se discute sobre aspectos exteriores.
A menção, por exemplo, à Estátua da Liberdade - um presente francês aos americanos do norte, uma homenagem aos revolucionários de 1776 -, tem sido vista como uma crítica a um determinado país, quando, até pela origem do monumento, a questão é bem mais ampla. Trata-se, na verdade, de explicitar algo bem maior: a crise de uma civilização construída sob normas onde a repressão é um dado relevante e a busca pela liberdade um sonho a ser concretizado.
É comum, no cinema e fora dele, o foco ser dirigido para efeitos e não para causas de fenômenos sociais. O filme de Corbet procura ser um painel social e ao mesmo tempo, através de personagens, revelar o drama vivido por cada indivíduo em um mundo em que geralmente os valores são deformados, quando não extintos. Esse parece ser o sentido da inversão da estátua. E note o espectador que até os créditos surgem de forma oblíqua, difíceis de ler, como se o cineasta ampliasse sua crítica ao recorrer a tal dificuldade.
Sem ser inovador em sua narrativa -o termo overture se refere a uma arte bem mais antiga - o filme não é o cinema de todos os dias, mas não oferece qualquer dificuldade ao espectador atento. No caso, se refere ao princípio do drama vivido pelo arquiteto protagonista.
Em primeiro lugar, ele não vai apenas em busca de um sonho, pois na verdade é o fugitivo de um horror, que se transfigura em algo exteriormente mais ameno, mas igual em sua fúria destruidora, algo que na cena do estupro se concretiza. E tal cena, desenrolada num cenário onde a matéria-prima do projeto é retirada, releva as origens de um ritual aparentemente civilizado, mas que apenas esconde sua essência.
Um tema que merece realce numa apreciação sobre o filme é o da relação do personagem de Adrien Brody com o pai que ele auxilia numa fase crítica e, depois, junto com o filho que o acompanha como auxiliar. E quando o arquiteto se transforma, também ele, em um dominador, num senhor intransigente e colérico - uma criação de fatos anteriormente narrados -, o filme é claro ao chegar às origens de atos irracionais anteriormente focalizados.
Outro momento revelador é o da estação, quando o protagonista se depara com algo inesperado - mais um elemento a gerar desconforto e decepção, algo que o silêncio da sobrinha acentua. E quando o grande dominador aparece em cena, a cólera é antecipada pela menção ao encontro anterior com um ser humano indesejado, a revelação do mais odioso dos preconceitos. E a menção à figura materna, algo que encoberta conflitos gerados na infância, se prolonga na homenagem que será prestada pelo monumento a ser erguido numa espécie de prolongamento de outro domínio.
O filme de Corbet é ambicioso, mas também revelador de um talento inconformado. Ele procura explorar comportamentos humanos que revelam as causas de muito que é visto e não devidamente analisado.
As passagens de tempo são utilizadas com perfeição e até a fotografia que separa as duas partes está integrada à narrativa, por registrar um momento importante da vida do personagem principal e da criança que depois seria a testemunha que muda de uma vida com imensas dificuldades de viver e é transformada numa peça também formada pela agressividade e o desrespeito por seres humanos.
O filme de Corbet é mais um a mostrar que o cinema continua a ser algo muito importante para ser reduzido apenas a distrações passageiras.