A decisão da Warner de lançar o novo filme de Clint Eastwood, no Brasil e em outros países, apenas no streaming tem recebido muitas e merecidas críticas. Exibir um filme de um dos mais importantes cineastas americanos na tela inapropriada é um exemplo claro que os novos executivos da empresa, no mínimo, são pessoas desrespeitosas e que sabem pouco da história do cinema. Como o filme anterior do cineasta não alcançou nas bilheterias o nível exigido pela companhia, o novo trabalho, O Jurado Número 2, foi tratado como algo descartável.
No entanto, nas primeiras exibições, num número limitado de cinemas americanos, um público numeroso compareceu e a recepção entre críticos tem sido das melhores. Na França, onde o filme foi lançado nos cinemas, a recepção também é ótima e a obra vista como uma das melhores do realizador, que está se aproximando dos 95 anos. Enquanto as fantasias dedicadas ao público infantil, um gênero sempre indispensável, dominam o panorama hollywoodiano, obras com outra finalidade estão sendo colocadas em segundo plano.
Autor de obras-primas como Os Imperdoáveis e A Menina de Ouro, para citar apenas dois títulos, o realizador agora focaliza o drama vivido por um personagem que, depois de ser convocado para integrar um grupo de jurados, passa a viver um drama inesperado, algo que permite a Eastwood colocar na tela o tema da justiça humana, algo presente em cada um de seus filmes. Resta também lembrar que até empresas que produzem diretamente para o streaming filmes realizados por diretores famosos costumam lançar, também aqui, alguns dias antes, nos cinemas, tais obras, pois sabem a importância que as salas continuam tendo, não apenas como divulgação e ampliação dos espaços, pois assim é permitida pelos interessados uma aferição correta do filme exibido.
Outro filme ameaçado de não chegar aos cinemas, pelo menos aqui, é Maria, o novo trabalho de Pablo Larrain. Trata-se de uma reconstituição de trechos da vida de Maria Callas, a grande soprano americana que foi idolatrada por Luchino Visconti. Para o cineasta de Rocco e seus irmãos e O Leopardo, Callas "foi um fenómeno teatral completo". O trabalho nos palcos do cineasta e da cantora resultou em espetáculos tidos como insuperáveis, principalmente uma La Traviata, ópera que Visconti dirigiu no Scala em 1955 e tida como o ponto máximo da carreira do mestre, que também se dedicou ao palco, numa trajetória tão vitoriosa como no cinema. Mas a relação da cantora, que também pode ser chamada de atriz, segundo Visconti, com o cinema não se limitou a seu encontro com este cineasta, pois ela foi a protagonista, numa atuação elogiadíssima, do filme Medéia, uma versão cinematográfica de Pier Paolo Pasolini da peça de Eurípedes.
As relações da ópera com o cinema foram muitas e provavelmente a maior deles continuará sendo por muito tempo a versão realizada por Ingmar Bergman de A flauta mágica, de Mozart. Muitos diretores foram fascinados pelo gênero, desde que Pabst realizou em 1931, A ópera dos três vinténs, de Weil e Brecht. John Schelesinger, Roman Polanski, Franco Zeffirelli e Joseph Losey também dirigiram no palco e no cinema óperas como O cavaleiro da rosa, Rigoletto, La Traviata e Don Giovanni. Woody Allen deixou sua contribuição com Gianni Schicchi, exibido quase clandestinamente em Porto Alegre, num daqueles festivais que antes eram mostrados aqui. Valioso é registrar que Sergei Eisenstein dirigiu no Teatro Bolshoi uma versão de A Valquíria. Angelina Jolie, que trabalhou com Eastwood em A troca, interpreta o papel principal em Maria.
Lista dos melhores do ano sempre causa controvérsias. Para uns, dez é muito pouco; para outros um exagero, tal o panorama pouco animador no mercado exibidor local. Escolher um seria algo arriscado. Mas se há um filme que refletiu com clareza o nosso tempo, este é Testamento, de Dennis Arcand. E talvez por olhar com mais atenção para a relação do homem com a natureza, O mal não existe, de Ryusuke Hamaguchi, também merece ser lembrado. E certamente Zona de interesse, de Jonathan Glaser, foi corajoso ao falar do maior dos crimes sem utiliza imagens e apenas através do som o colocar nas proximidades da civilização.