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Cinema
Hélio Nascimento

Hélio Nascimento

Publicada em 14 de Março de 2024 às 17:47

O horror explícito

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Hélio Nascimento
Diante das impressionantes e comoventes imagens de 20 dias em Mariupol, documentário realizado por Mstislav Chernow, seria possível somente falar de um gênero que muitos classificavam como a essência do cinema? Numa época em que tanto espaço é dedicado a fichas técnicas de filmes e até à vida particular de atores e atrizes, a quem por vezes é ingenuamente atribuída a importância de alguns filmes, numa espécie de transformação da crítica cinematográfica em coluna de superficialidades, seria honesto destacar apenas aspectos técnicos de uma ação tão corajosa como a do realizador e da equipe que o acompanhou durante o cerco daquela cidade ucraniana pelas tropas invasoras da Federação Russa? Seria relevante destacar meios e colocar em segundo plano a barbárie praticada em nome de uma suposta ameaça nazista? O correto, assim nos parece, é colocar em primeiro plano que o trabalho de Chernow flagra as mentiras das autoridades russas sobre uma ação militar dirigida apenas contra outros militares. E também por deixar claro quem são as primeiras vítimas de um conflito armado. De certa forma, o filme pode ser comparado a dois grandes momentos do documentário cinematográfico: Noite e Nevoeiro e os primeiros minutos de Hiroshima, meu amor, ambos de Alain Resnais. São obras que ficarão para sempre como registros da agressividade e da estupidez humanas. Infelizmente, o que agora está sendo visto e ouvido são manifestações de apoio de alguns irresponsáveis, ingênuos e ressentidos. Seria certamente valioso que um documentário como este fosse exibido em palácios e gabinetes para que fosse colocada diante de alguns o horror que, pela concordância e pelo silêncio, certas figuras procuram ocultar.
Diante das impressionantes e comoventes imagens de 20 dias em Mariupol, documentário realizado por Mstislav Chernow, seria possível somente falar de um gênero que muitos classificavam como a essência do cinema? Numa época em que tanto espaço é dedicado a fichas técnicas de filmes e até à vida particular de atores e atrizes, a quem por vezes é ingenuamente atribuída a importância de alguns filmes, numa espécie de transformação da crítica cinematográfica em coluna de superficialidades, seria honesto destacar apenas aspectos técnicos de uma ação tão corajosa como a do realizador e da equipe que o acompanhou durante o cerco daquela cidade ucraniana pelas tropas invasoras da Federação Russa? Seria relevante destacar meios e colocar em segundo plano a barbárie praticada em nome de uma suposta ameaça nazista? O correto, assim nos parece, é colocar em primeiro plano que o trabalho de Chernow flagra as mentiras das autoridades russas sobre uma ação militar dirigida apenas contra outros militares. E também por deixar claro quem são as primeiras vítimas de um conflito armado. De certa forma, o filme pode ser comparado a dois grandes momentos do documentário cinematográfico: Noite e Nevoeiro e os primeiros minutos de Hiroshima, meu amor, ambos de Alain Resnais. São obras que ficarão para sempre como registros da agressividade e da estupidez humanas. Infelizmente, o que agora está sendo visto e ouvido são manifestações de apoio de alguns irresponsáveis, ingênuos e ressentidos. Seria certamente valioso que um documentário como este fosse exibido em palácios e gabinetes para que fosse colocada diante de alguns o horror que, pela concordância e pelo silêncio, certas figuras procuram ocultar.
Não é a primeira vez que a Ucrânia, que durante o período soviético foi uma das repúblicas integrantes de uma união na qual os russos foram os dominadores, sofre as consequências do totalitarismo e da incompetência. A primeira foi o chamado Holodomor, nos anos de 1932 e 1933, quando milhões de ucranianos morreram de fome depois que todo um sistema voltado para a alimentação da população foi exterminado por Stalin. A segunda, em abril de 1986, quando do trágico acidente nuclear de Chernobyl, durante alguns dias negado pelo governo soviético. Numa época em que Gorbachev tentava fazer da república por ele chefiada um estado moderno, tal acidente expôs de forma clara que o atraso não era restrito apenas a áreas para quais são necessários espaços para discussões e críticas. São muitos os livros, filmes e registros diversos que atestam o atraso causador da tragédia. Mas o que agora estamos vendo é um crime praticado por quem alguns ingênuos acreditam ser um defensor do humanismo diante do agressor ocidental, como se a Federação Russa ainda fosse chefiada por dirigentes que nos anos de 1930 exterminaram com os líderes de 1917, com exceção de Lenin, falecido, e Trotsky, exilado, mas que não escaparia mais tarde do quebrador de gelo de Mercader.
Estamos, realmente, vivendo dias difíceis. Um integrante de partido político pede boicote de lojas como se os seus proprietários fossem responsáveis por horror semelhante ao da Ucrânia praticado por um governante de extrema direita muito criticado em seu próprio país. Tal exortação se assemelha às ordens do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães antes da chamada Noite dos Cristais, na Alemanha, em 25 de abril de 1938. Agora, fanáticos degolam crianças e violentam meninas na frente dos pais, para atiçar propositadamente outro tipo de violência. Enquanto esta dança de vampiros continua, o filme de Chernow deveria ser visto por mais público. Eis uma função do cinema: tornar visível o que muitos desejam ocultar. Na verdade, trata-se de um documentário que, ao mostrar recém-nascidos assassinados e mães em agonia, expõe de maneira a não deixar margem para a indiferença um ritual sangrento e assustador. Um filme encenado, com propósitos semelhantes, jamais conseguirá atingir impacto igual a este. Eis é um exemplo de jornalismo cinematográfico tão oportuno quando impactante.

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