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Cinema
Hélio Nascimento

Hélio Nascimento

Publicada em 22 de Fevereiro de 2024 às 17:35

O horror e o cotidiano

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Hélio Nascimento
O filme no qual o diretor Jonathan Glazer deixa sua contribuição ao processo destinado a não deixar no esquecimento os horrores praticados durante o período em que o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães exerceu o poder não é propriamente uma versão do livro de Martin Amis. O cineasta dedica o filme ao autor, mas a trama narrada em imagens aproveita uma sugestão do romance, a mais poderosa delas: a indiferença diante da monstruosidade praticada e que tinha o objetivo de transformar um mundo em território dominado por uma aberração que até hoje é uma ameaça, bastando para confirmar tal afirmação acompanhar o noticiário, onde estão registradas agressões e até convites para que lojas sejam boicotadas, uma sinistra aproximação com a Noite dos Cristais. Ao escolher uma das sugestões do livro, Glazer procurou colocar no centro de sua narrativa a questão mais importante em torno do tema: a indiferença ou desconhecimento diante do maior dos perigos, aquele representado pela força destinada a espalhar a irracionalidade e libertar todos os ressentimentos gerados por frustrações pessoais e coletivas criadas por deformações. Trata-se de flagrar o mal maior em sua origem: o desconhecimento ou próprio abandono de qualquer norma civilizada, a marca do nazismo. Zona de interesse, o livro de Amis, e agora o filme de Glazer são relatos cruéis e impactantes sobre o mal maior, simbolizado pelo nazismo, esta explosão de irracionalidades, que até hoje, devidamente disfarçada, é um perigo diante do qual a indiferença é uma omissão que causa desconforto e apreensão.
O filme no qual o diretor Jonathan Glazer deixa sua contribuição ao processo destinado a não deixar no esquecimento os horrores praticados durante o período em que o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães exerceu o poder não é propriamente uma versão do livro de Martin Amis. O cineasta dedica o filme ao autor, mas a trama narrada em imagens aproveita uma sugestão do romance, a mais poderosa delas: a indiferença diante da monstruosidade praticada e que tinha o objetivo de transformar um mundo em território dominado por uma aberração que até hoje é uma ameaça, bastando para confirmar tal afirmação acompanhar o noticiário, onde estão registradas agressões e até convites para que lojas sejam boicotadas, uma sinistra aproximação com a Noite dos Cristais. Ao escolher uma das sugestões do livro, Glazer procurou colocar no centro de sua narrativa a questão mais importante em torno do tema: a indiferença ou desconhecimento diante do maior dos perigos, aquele representado pela força destinada a espalhar a irracionalidade e libertar todos os ressentimentos gerados por frustrações pessoais e coletivas criadas por deformações. Trata-se de flagrar o mal maior em sua origem: o desconhecimento ou próprio abandono de qualquer norma civilizada, a marca do nazismo. Zona de interesse, o livro de Amis, e agora o filme de Glazer são relatos cruéis e impactantes sobre o mal maior, simbolizado pelo nazismo, esta explosão de irracionalidades, que até hoje, devidamente disfarçada, é um perigo diante do qual a indiferença é uma omissão que causa desconforto e apreensão.
Ao contrário do que se poderia esperar de um filme cuja ação transcorre durante a época nazista, o trabalho de Glazer omite toda e qualquer imagem do campo de Auschwitz, limitando-se a colocar no fundo da tela a fumaça dos fornos de extermínio e também a utilizar na faixa sonora os gritos de seres humanos e o som de armas sendo utilizadas, elementos ignorados pelos principais personagens em cena, que procuram levar uma vida segura e confortável, mesmo que ao lado do inferno. Apenas um muro separa os dois cenários. Mas não de forma a apagar as atrocidades cometidas do outro lado, de certa forma revelando o que o cotidiano esconde e a chamada vida normal acoberta. Quando a mulher veste um casaco antes pertencente a uma vítima, a cena sintetiza a inveja e, de certa forma, a vingança de uma figura humana que então se despe de qualquer traço de humanidade. Mas não há monstros em cena. O maior de todos os crimes - e não foram poucos na história da civilização - é escondido por rituais que incluem histórias lidas por pais a filhos ainda pequenos, ou então por reuniões em que os chefes tratam seres humanos como se fossem mercadorias a serem transportadas ou transformadas em cinzas.
A cena do diálogo diante do rio acompanha a discussão de um casal como qualquer outro sobre a permanência ou não diante de exigências da burocracia estatal. Mas o rio que passa e que nunca é o mesmo, provavelmente tenha para Glazer o sentido de uma realidade diferente e que se aproxima de imagens que só no final da narrativa aparecem como um alerta sem a necessidade de palavras. O filme de Glazer é, por tudo o que registra, também uma prova da riqueza do cinema e suas propostas. Não há primeiros planos. E nem discursos. As imagens é que importam. Os personagens estão quase sempre longe das câmaras, pois não merecem o destaque, sendo apenas peças de uma engrenagem. Mas o filme não recua ao ressaltar que o horror pode estar escondido, mas nunca será um prisioneiro eterno. Por vezes ele se revela e age da forma a revelar de maneira a não deixar dúvida sobre seus poderes sobre o comportamento humano. Glazer tem dito em entrevistas que seu filme é também sobre os dias de hoje. Sem dúvida, ele tem razão, pois persistem as ameaças das forças reprimidas, mas não extintas. Essencialmente o nazismo nada mais foi do que uma tentativa de libertar a irracionalidade e a violência da prisão a que foram destinadas. E como elas não foram extintas, filmes como este serão sempre necessários.
 

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