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Cinema
Hélio Nascimento

Hélio Nascimento

Publicada em 15 de Fevereiro de 2024 às 18:36

Homenagens e citações

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Hélio Nascimento
O passado tem de ser conhecido e, por vezes, visitado a fim de que, em qualquer processo, haja continuidade e renovação. Eis uma regra básica nunca esquecida pelos verdadeiros revolucionários. Todo e qualquer conhecimento solidificado pelo tempo sempre será o ponto de partida para o novo. A insolência e a revolta podem carregar elementos novos, mas nunca terão relevância se não forem acompanhados pelo interesse pelo que já está concluído. No cinema, tal ritual tão necessário se manifesta pela visão atenta de obras anteriores. Eisenstein não existiria como cineasta se antes não houvesse Griffith; o cinema noir americano dos anos 40 do século passado não teria produzido vários clássicos se antes diretores alemães não tivessem exaltado os contrastes de claro e escuro numa série de obras-primas; Hiroshima não teria sido realizado se antes Cidadão Kane não tivesse aberto novos caminhos; e Marienbad, sem um antecessor como Vertigo, não teria sido estruturado.
O passado tem de ser conhecido e, por vezes, visitado a fim de que, em qualquer processo, haja continuidade e renovação. Eis uma regra básica nunca esquecida pelos verdadeiros revolucionários. Todo e qualquer conhecimento solidificado pelo tempo sempre será o ponto de partida para o novo. A insolência e a revolta podem carregar elementos novos, mas nunca terão relevância se não forem acompanhados pelo interesse pelo que já está concluído. No cinema, tal ritual tão necessário se manifesta pela visão atenta de obras anteriores. Eisenstein não existiria como cineasta se antes não houvesse Griffith; o cinema noir americano dos anos 40 do século passado não teria produzido vários clássicos se antes diretores alemães não tivessem exaltado os contrastes de claro e escuro numa série de obras-primas; Hiroshima não teria sido realizado se antes Cidadão Kane não tivesse aberto novos caminhos; e Marienbad, sem um antecessor como Vertigo, não teria sido estruturado.
Mas as ligações entre obras cinematográficas relevantes não são construídas apenas por influências. Tal continuidade por vezes se faz por homenagens e citações, em alguns casos pela colocação na tela por imagens diretamente ligadas a obras anteriores. São muitos os exemplos. E a relação de tais encontros, além de evidenciar admiração e mesmo devoção, revela que a criatividade ligada ao cinema não dispensa o culto de títulos anteriores que passaram a fazer parte do processo criativo de muitos cineastas.
Uma das fantasias erguidas a partir de fatos reais mais notáveis do cinema é Os intocáveis, de Brian DePalma. Este é o filme que tem a citação mais longa a outro. O cineasta, que em outros trabalhos prestou homenagens a Hitchcock, transformou o massacre inventado por Eisenstein nas escadarias de Odessa, uma sequência do conhecimento de todos, que revela a obsessão daquele realizador pela montagem, numa outra cena admirável. No seu filme, o americano coloca nas escadarias dois heróis que, além de destruírem o poder de criminosos e assassinos, salvam o bebê da morte. O carrinho que leva a criança é habilmente reconstruído. Eisenstein, que apreciava mais símbolos do que personagens, tem assim sua mais célebre cena povoada por figuras reais, que esperam a chegada de um trem - este outro símbolo do cinema desde os irmãos Lumière. Os Intocáveis talvez ainda não tenha sua importância reconhecida como fantasia cinematográfica, mas o trecho mencionado é exemplo maior de citação de um cineasta por outro. E há outros momentos notáveis no trabalho do cineasta americano, inclusive uma citação a um gênero: o western, na cena da ponte.
Um dos gênios do cinema, Stanley Kubrick, em seu 2001: uma odisseia no espaço, prestou homenagem a outro gigante, Ingmar Bergman. Um dos momentos mais lembrados na obra de Bergman é aquele em que o cavaleiro enfrenta a morte jogando uma partida de xadrez, em O sétimo selo. Num momento de 2001, antes do computador se transformar em uma ameaça, um dos astronautas enfrenta a inteligência artificial, repetindo assim a situação do filme de Bergman. Kubrick era um grande admirador do cineasta sueco e chegou mesmo a escrever a ele uma carta elogiando seus filmes e ressaltando a importância deles em sua obra, conforme registra Michael Benson, no livro sobre a realização de 2001, publicado no Brasil pela Todavia, em 2018, em tradução de Álvaro Hattnher e Cláudio Carina. Kubrick era também um destacado enxadrista amador. A homenagem, portanto, tem mais de uma origem. Há também no livro de Benson preciosas referências a simetrias entre 2001 e A fonte da donzela, outro notável exemplo da arte bergmaniana.
E esta relação, pequena e incompleta, não poderia ser encerrada sem uma referência a diversas homenagens a John Ford e aos planos de abertura e encerramento de Rastros de ódio, a mais bela variação cinematográfica do tema da Odisseia feita por este mestre que já foi chamado de "o Homero do western". A câmera colocada dentro da casa, focalizando o personagem que chega e depois parte, foi um recurso várias vezes utilizado e citado, inclusive por Steven Spielberg na cena em que a mãe desmaia ao contemplar os portadores da terrível notícia, em O resgate do soldado Ryan.
 

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