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Cinema
Hélio Nascimento

Hélio Nascimento

Publicada em 26 de Janeiro de 2024 às 00:40

Dois filmes

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Hélio Nascimento
Filmes como o finlandês Folhas de outono e o norte-americano Segredos de um escândalo procuram acompanhar o cotidiano de seus personagens, envolvidos com um mundo que os limita e oprime. O filme de Aki Kaurismäki recorre a recursos explícitos; o de Todd Haynes é mais sutil e exige do espectador o conhecimento de parte da obra de Ingmar Bergman. Essas referências não se referem apenas a aspectos cinematográficos, pois se encontram em ambos os filmes aqueles elementos que reforçam a ideia de que os temas essenciais permanecem presentes e continuam a exigir a presença da imaginação para que aspectos novos sejam colocados na tela, a fim de que aumente o número de descobertas. O processo é constante e, mesmo não originando sempre filmes antológicos e renovadores, é essencial para que não cesse o interesse do cinema por personagens reais e não marionetes manipuladas por realizadores interessados em utilizar figuras humanas como simples divulgadores de teorias. Ambos os filmes tratam de insatisfações, problemas decorrentes de opções equivocadas e de situações criadas por uma engrenagem formada por diversas formas de desumanidade.
Filmes como o finlandês Folhas de outono e o norte-americano Segredos de um escândalo procuram acompanhar o cotidiano de seus personagens, envolvidos com um mundo que os limita e oprime. O filme de Aki Kaurismäki recorre a recursos explícitos; o de Todd Haynes é mais sutil e exige do espectador o conhecimento de parte da obra de Ingmar Bergman. Essas referências não se referem apenas a aspectos cinematográficos, pois se encontram em ambos os filmes aqueles elementos que reforçam a ideia de que os temas essenciais permanecem presentes e continuam a exigir a presença da imaginação para que aspectos novos sejam colocados na tela, a fim de que aumente o número de descobertas. O processo é constante e, mesmo não originando sempre filmes antológicos e renovadores, é essencial para que não cesse o interesse do cinema por personagens reais e não marionetes manipuladas por realizadores interessados em utilizar figuras humanas como simples divulgadores de teorias. Ambos os filmes tratam de insatisfações, problemas decorrentes de opções equivocadas e de situações criadas por uma engrenagem formada por diversas formas de desumanidade.
Kaurismäki propõe um cinema no qual personagens parecem robôs. Eles falam como se estivessem recitando um texto destinado a revelar seu desinteresse pelo mundo. O cenário é visualmente omitido, mas surge através de notícias ouvidas no rádio, que parece interessado apenas na agressão conta a Ucrânia. Curiosamente, a guerra no Vietnam era citada em Persona, filme de Bergman, o cineasta que está presente por citações no outro filme, o de Haynes. Um conflito armado, a mais radical das opções entre nações divergentes, é utilizado para expor as divergências e interesses contrários entre nações. O título do filme é clara referência a Folhas mortas, a célebre canção de Joseph Kosma (música) e Jacques Prévert (letra), que é utilizada nos créditos finais. O filme de Kaurismäki mostra um mundo no qual as figuras humanas parecem peças de uma engrenagem. A aproximação com Tempos modernos, de Charles Chaplin, é bem clara na cena final, uma recriação do plano de encerramento daquela obra-prima, mas com as consequências dos ferimentos expostas de forma bem nítida. O problema com Kaurismäki é transformar seus personagens em figuras praticamente sem vida, algo por sinal presente no filme assistido pelo casal. Falta aqui aquela força gerada pela autenticidade de um filme como Desencanto, de David Lean, que o realizador parece muito admirar, a se julgar pelo destaque a ele dado nas cenas frente ao cinema e que trata de tema semelhante. Chaplin e Lean merecem admiração, mas são difíceis de serem alcançados. O último plano, ao contrário do clássico de Chaplin, é o caminho no rumo da incerteza.
Haynes, por sua vez, tem a ambição de inovar a temática do filme dentro de um filme. Só que aqui se trata do momento anterior, aquele no qual uma produção está sendo preparada e a atriz principal procura se aproximar da mulher que será por ela interpretada. Eis, sem dúvida, uma originalidade, que deve ser creditada ao roteirista Samy Burch. Haynes mostra habilidade ao narrar esta história, inspirada por um fato real, mas a elogiável postura destinada a revelar os motivos verdadeiros do drama narrado não chega perto da profundidade em temas como o incesto, ao qual o modelo bergmaniano soube conferir grandeza e profundidade. As duas mulheres protagonistas não têm seu passado devidamente esclarecido. A mãe de quatro filhos que havia se apaixonado por um menino de 13 anos e a atriz que deverá interpretar a personagem, ambas movidas por frustrações parcialmente reveladas, exigiam um Bergman para manipular e transformar o roteiro em imagens reveladoras. Os dois filmes, que podem ser vistos nos cinemas, são interessantes, mas estão longe dos modelos. O cinema da atualidade tem produzido obras notáveis e que provavelmente se transformarão em clássicos. Os de Kaurismäki e Haynes serão vistos como tentativas honestas, mas insuficientes para uma equiparação a modelos que têm enfrentado o tempo e sobrevivido como peças indestrutíveis.

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