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Cinema
Hélio Nascimento

Hélio Nascimento

Publicada em 19 de Janeiro de 2024 às 00:40

O professor

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Hélio Nascimento
Alexander Payne inicia seu novo filme, Os rejeitados, com o coral de um colégio, em um ensaio, antes da apresentação durante a cerimônia de encerramento do ano de 1970. Esta abertura coloca em cena um grupo de alunos que, seguindo a orientação de um maestro, aprimora a peça a ser cantada durante o evento. Trata-se de um resumo que depois, durante o desenrolar da ação, será devidamente ampliado. Um maestro, um grupo de cantores ou de instrumentistas, os primeiros executando suas tarefas e o outro fornecendo orientação e mesmo inspiração, formam um símbolo poderoso de harmonia e organização, um exemplo perfeito de um mundo regido pela perfeição. Estamos diante, nesta cena inicial, de um quadro no qual reinam o equilíbrio e a disciplina. O que vem a seguir é o relato destinado a colocar na tela o processo destinado a expandir por toda a sociedade a perfeição vista e ouvida durante o prólogo. A figura do orientador e disciplinador inúmeras vezes apareceu no cinema, principalmente na figura de um professor, ao mesmo tempo portador da cultura e das exigências ditadas pela civilização. São vários os filmes, alguns hoje clássicos, como Sementes de violência, realizado por Richard Brooks em 1955, e A sociedade dos poetas mortos, que Peter Weir realizou em 1989. E mesmo Os rejeitados tem como fonte de inspiração Merlusse, dirigido por Marcel Pagnol em 1935, que narra o relacionamento de um professor severo e portador de uma deficiência com alunos com os quais vive em conflito.
Alexander Payne inicia seu novo filme, Os rejeitados, com o coral de um colégio, em um ensaio, antes da apresentação durante a cerimônia de encerramento do ano de 1970. Esta abertura coloca em cena um grupo de alunos que, seguindo a orientação de um maestro, aprimora a peça a ser cantada durante o evento. Trata-se de um resumo que depois, durante o desenrolar da ação, será devidamente ampliado. Um maestro, um grupo de cantores ou de instrumentistas, os primeiros executando suas tarefas e o outro fornecendo orientação e mesmo inspiração, formam um símbolo poderoso de harmonia e organização, um exemplo perfeito de um mundo regido pela perfeição. Estamos diante, nesta cena inicial, de um quadro no qual reinam o equilíbrio e a disciplina. O que vem a seguir é o relato destinado a colocar na tela o processo destinado a expandir por toda a sociedade a perfeição vista e ouvida durante o prólogo. A figura do orientador e disciplinador inúmeras vezes apareceu no cinema, principalmente na figura de um professor, ao mesmo tempo portador da cultura e das exigências ditadas pela civilização. São vários os filmes, alguns hoje clássicos, como Sementes de violência, realizado por Richard Brooks em 1955, e A sociedade dos poetas mortos, que Peter Weir realizou em 1989. E mesmo Os rejeitados tem como fonte de inspiração Merlusse, dirigido por Marcel Pagnol em 1935, que narra o relacionamento de um professor severo e portador de uma deficiência com alunos com os quais vive em conflito.
Payne, como ele mesmo diz, vê muitos filmes antigos à procura de ensinamentos. Entre os diretores que admira, provavelmente está William Wyler, cujo forma de narração não se afastava de um rigoroso realismo e que costumava focalizar personagens em conflito com as exigências da organização a que pertencem, seja no drama, seja na comédia. Além das influências cinematográficas, o filme, segundo o próprio cineasta, também é resultado do encontro com um professor dos mais intransigentes em aula, mas bastante simpático fora dela. Há, portanto, além de influências cinematográficas, lembranças do diretor. O roteiro, escrito por David Hemingson e no qual Payne teve participação direta, trata de temas relacionados ao sentimento de abandono experimentado diante de perdas sofridas pelos protagonistas: um professor encarregado de permanecer no colégio durante o Natal, junto a alunos afastados do convívio familiar; um jovem que permanece no local depois que os colegas rumam para outros cenários; e uma cozinheira, cujo filho morreu na guerra do Vietnam.
Fascinado pela antiguidade, irônico e ferino nas citações em Latim, vivido de forma notável por Paul Giamatti, o professor não é apenas o regente de um coral. Impõe uma disciplina rígida e quase sempre se refere aos alunos de forma bastante depreciativa, como se fossem todos cantores desafinados. E certamente alheios às belezas e às indispensáveis revelações dos textos antigos. Mas na cena em que o aluno recita as célebres palavras de Júlio César diante do Rubicão, aproveitando a citação do mestre, o tom de comédia ultrapassa barreiras para dar início a uma série de descobertas. A agressividade do aluno e a rudeza do professor passam a ter suas causas reveladas, sem a utilização de recursos que alteram o rumo natural dos acontecimentos. Nos olhares e nos gestos, nos momentos de decepção, como na sequência da festa na casa de uma funcionária do colégio, as razões de uma falta de empatia são claramente expostas. Frustrações antigas comandam atitudes modernas. A mulher do restaurante parece reunir todas as forças repressivas e proibitivas. E a cena do hospital tem uma carga dramática impactante pela forma como sintetiza um mundo incapaz de responder aos anseios humanos. Resta a estrada e um lar ambulante, no rumo do desconhecido.

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