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Cinema
Hélio Nascimento

Hélio Nascimento

Publicada em 11 de Janeiro de 2024 às 17:31

A marcha dos otimistas

O Melhor Está Por Vir, de Nanni Moretti

O Melhor Está Por Vir, de Nanni Moretti

DIVULGAÇÃO/JC
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Hélio Nascimento
A bandeira empunhada por Nanni Moretti, diretor e protagonista de O melhor está por vir, é a da crença que o futuro trará soluções para todos os problemas, tanto os relacionados à sociedade contemporânea quanto aos enfrentados pelos indivíduos em sua vida particular. O filme é uma espécie de exceção na cinematografia contemporânea, ao exaltar a capacidade humana de encontrar soluções e construir novos caminhos. O filme, de alguma maneira, lembra Reds, o belo relato de Warren Beatty sobre o comunismo americano, realizado em 1978, quando os Estados Unidos eram governados por Ronald Reagan, que durante seu mandato havia classificado os países dirigidos por um único partido de "o eixo do mal". Depois de ver o filme, em sessão especial na Casa Branca, o presidente não escondeu sua admiração pela obra e chegou a afirmar que o trabalho de Beatty provava que até na esquerda seu país tinha exercido influência. Reds, concorrendo ao Oscar, ficou com o prêmio de melhor diretor e conseguiu a façanha de fazer o Hino da Primeira Internacional ser executado cada vez que um prêmio para o filme era anunciado - e foram vários. Se o filme de Beatty é baseado na experiência do jornalista John Reed, o de Moretti, de forma engenhosa e marcada pelo humor, tem como protagonista um cineasta que está fazendo um filme sobre os acontecimentos de 1956, quando a então União Soviética invadiu a Hungria, terminando com as experiências e as insatisfações destinadas a criar uma nova forma de organização social. Anos depois, em 1968, a repressão armada foi repetida na então Tchecoslováquia, que pretendia um "socialismo democrático". O filme de Moretti não é o tradicional filme dentro do filme, como Assim estava Escrito, de Vincente Minnelli, e A noite americana, de François Truffaut. Isso porque há um terceiro filme, produzido pela esposa do cineasta fictício, que terá uma cena final violenta e que origina uma sequência notável, quando até Martin Scorsese é invocado.
A bandeira empunhada por Nanni Moretti, diretor e protagonista de O melhor está por vir, é a da crença que o futuro trará soluções para todos os problemas, tanto os relacionados à sociedade contemporânea quanto aos enfrentados pelos indivíduos em sua vida particular. O filme é uma espécie de exceção na cinematografia contemporânea, ao exaltar a capacidade humana de encontrar soluções e construir novos caminhos. O filme, de alguma maneira, lembra Reds, o belo relato de Warren Beatty sobre o comunismo americano, realizado em 1978, quando os Estados Unidos eram governados por Ronald Reagan, que durante seu mandato havia classificado os países dirigidos por um único partido de "o eixo do mal". Depois de ver o filme, em sessão especial na Casa Branca, o presidente não escondeu sua admiração pela obra e chegou a afirmar que o trabalho de Beatty provava que até na esquerda seu país tinha exercido influência. Reds, concorrendo ao Oscar, ficou com o prêmio de melhor diretor e conseguiu a façanha de fazer o Hino da Primeira Internacional ser executado cada vez que um prêmio para o filme era anunciado - e foram vários. Se o filme de Beatty é baseado na experiência do jornalista John Reed, o de Moretti, de forma engenhosa e marcada pelo humor, tem como protagonista um cineasta que está fazendo um filme sobre os acontecimentos de 1956, quando a então União Soviética invadiu a Hungria, terminando com as experiências e as insatisfações destinadas a criar uma nova forma de organização social. Anos depois, em 1968, a repressão armada foi repetida na então Tchecoslováquia, que pretendia um "socialismo democrático". O filme de Moretti não é o tradicional filme dentro do filme, como Assim estava Escrito, de Vincente Minnelli, e A noite americana, de François Truffaut. Isso porque há um terceiro filme, produzido pela esposa do cineasta fictício, que terá uma cena final violenta e que origina uma sequência notável, quando até Martin Scorsese é invocado.
Moretti não esconde sua opção política e a torna explícita na cena final, quando revela sua admiração por Karl Marx e Friedrich Engels. Mas esta admiração vem acompanhada por uma crítica aos que, dizendo-se seguidores dos pensadores e militantes alemães, terminaram impondo a vários países um regime do qual estavam ausentes ações destinadas a preservar e estimular a crítica e a divergência, elementos essenciais ao processo destinado a mover o mundo. O filme de Moretti tem várias citações que revelam suas intenções. O lirismo de Jacques Demy em Lola e, principalmente, a constatação da grande crise, na cena final de A doce vida, quando outro jornalista revela sua incapacidade de retornar ao mundo dos vivos e segue seu caminho para o reino dos mortos ainda não sepultados. Mas a admiração por Fellini não fica restrita ao antológico final do filme mais famoso daquele cineasta. Enquanto a URSS, no filme dentro do filme, exerce seu poder contra os tchecos, um circo húngaro está se apresentando em Roma. O PC italiano recebe os artistas com todas as honras e, depois, terá de enfrentar a revolta não apenas dos artistas estrangeiros como também de seus próprios integrantes diante dos acontecimentos em Budapest.
No ano da invasão, Josef Stalin já tinha morrido há três anos e Nikita Khruschev já o havia denunciado como um ditador criminoso, no célebre discurso secreto, que logo em seguida viralizou, como se diz hoje, quando a íntegra da manifestação foi divulgada. Portanto não foi ele e sim o próprio dirigente que o denunciou quem esteve à frente da decisão pela repressão violenta. Não foi ele, portanto, o responsável, mas sim o próprio regime autoritário por ele estruturado. Regime este que, ao se desfazer, revelou sua verdadeira face, com o aparecimento dos chamados magnatas russos, donos de times de futebol e poderosos investidores no mundo ocidental. Porém, Moretti não abandona sua crença e conclui sua narrativa com uma marcha. E com citações à canção O vento sopra, de Felipe Cascione, cantada pela Brigada Garibaldi e que, ao lado de Bella ciao, foi um dos hinos da luta antifascista italiana durante a Segunda Guerra Mundial.
 

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