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Cinema
Hélio Nascimento

Hélio Nascimento

Publicada em 14 de Dezembro de 2023 às 18:34

O saber e o mundo

Puan, de María Alché e Benjamín Naishtat

Puan, de María Alché e Benjamín Naishtat

Divulgação/JC
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Hélio Nascimento
O cinema argentino, que nos últimos anos vem se impondo como uma cinematografia merecedora de toda a atenção, se considerarmos os títulos aqui exibidos, sem esquecer os prêmios de melhor filme internacional a ele atribuídos pela Academia de Hollywood, e que no mercado também se impôs, entre outros fatores, pela presença de um ator como Ricardo Darín, tem neste Puan, apelido pelo qual é tratada uma instituição universitária, um bom exemplo de comédia inteligente e reveladora. Apesar do emprego de um humor escatológico na parte inicial, eis um exemplo de comédia inteligente e esclarecedora pela valorização do cotidiano de alguns personagens, sobretudo os dois principais, interpretados de forma admirável por Marcelo Subiotto e Leonardo Sbaraglia. Realizado pela dupla Maria Aché e Benjamin Naishtat, o filme recebeu prêmios em festivais internacionais, e se trata de uma coprodução com o Brasil e nações europeias. Falar de um país através de problemas e ambições de personagens reais sempre foi e continuará sendo o caminho certo para o cinema. Nada de discursos e encenações desprovidas de lucidez. Basta que o espectador olhe para o comportamento, os gestos e os olhares dos personagens para que veja na tela um retrato eloquente de uma época e suas crises. E também contemple seres humanos reagindo de formas diferentes diante dos rituais a ser cumpridos para que a engrenagem continue a funcionar, sem que apelos e anseios sejam atendidos.
O cinema argentino, que nos últimos anos vem se impondo como uma cinematografia merecedora de toda a atenção, se considerarmos os títulos aqui exibidos, sem esquecer os prêmios de melhor filme internacional a ele atribuídos pela Academia de Hollywood, e que no mercado também se impôs, entre outros fatores, pela presença de um ator como Ricardo Darín, tem neste Puan, apelido pelo qual é tratada uma instituição universitária, um bom exemplo de comédia inteligente e reveladora. Apesar do emprego de um humor escatológico na parte inicial, eis um exemplo de comédia inteligente e esclarecedora pela valorização do cotidiano de alguns personagens, sobretudo os dois principais, interpretados de forma admirável por Marcelo Subiotto e Leonardo Sbaraglia. Realizado pela dupla Maria Aché e Benjamin Naishtat, o filme recebeu prêmios em festivais internacionais, e se trata de uma coprodução com o Brasil e nações europeias. Falar de um país através de problemas e ambições de personagens reais sempre foi e continuará sendo o caminho certo para o cinema. Nada de discursos e encenações desprovidas de lucidez. Basta que o espectador olhe para o comportamento, os gestos e os olhares dos personagens para que veja na tela um retrato eloquente de uma época e suas crises. E também contemple seres humanos reagindo de formas diferentes diante dos rituais a ser cumpridos para que a engrenagem continue a funcionar, sem que apelos e anseios sejam atendidos.
O filme tem como figuras centrais dois professores de filosofia. Aquele que é o personagem principal, discípulo de um mestre que só aparece na cena inicial, é o provável substituto depois que o posto de titular fica vago. A cena em que ele é apresentado ao público deixa clara sua personalidade, sua capacidade de comunicação com os alunos e facilidade como transmite conceitos e faz do diálogo uma forma de fazer reinar a lucidez. Eis um dos elementos a serem valorizados no filme. As aulas visam à lucidez e à curiosidade. Ao mesmo tempo, este professor é um homem ameaçado por um ex-colega, que está voltando da Alemanha disposto a assumir o posto de professor titular. Este, ao contrário do que ficou na Argentina, é ambicioso, loquaz e namora uma famosa atriz do cinema e da televisão. Numa homenagem póstuma, faz um discurso iniciado por trechos de Heidegger, citados em alemão. É visto pela dupla de cineastas como capaz de tudo para se manter em evidência. Enquanto isso, o personagem principal tem de se contentar em ser um coadjuvante. Ele não ocupa o lugar principal nas fotos e até passa por alguns constrangimentos, um deles ao confundir uma professora com uma nova empregada doméstica do amigo desaparecido.
Esse contraste entre um e outro não é o único sinal de um tempo em que valores parecem invertidos. A mais forte dessas constatações é aquela que focaliza a velha milionária que paga caro por aulas de filosofia e que adormece quando está sendo iniciada uma explanação sobre O estrangeiro, de Albert Camus. E no cenário de tal criatura, que parece ser o símbolo de um mundo decadente, desprovido de sensibilidade e interesse, ele é obrigado a usar uma fantasia improvisada, transformando-se na atração da festa. Vemos o personagem, então devidamente manipulado pela filha da velha senhora, vestido como um pensador grego, transformado assim numa figura ridícula, o destino final da inteligência num cenário construído pela mediocridade. E a crise do fechamento da escola é outro símbolo poderoso da realidade criada pelas distorções. O filme inclui uma citação da parte final do Fédon, um dos Diálogos de Platão onde é narrada a morte de Sócrates, quando, no encerramento de um ciclo e de uma vida, uma pergunta fica sem resposta. Mas o filme tem uma: a canção na qual o protagonista parece alcançar a felicidade, em um adeus aos espectadores, depois de aceitar o convite para lecionar longe de seu espaço. O filme de Aché e Naishtat é uma das surpresas dos últimos anos e de certa forma uma lição a ser conhecida pelos que se distanciam do ser humano, seus defeitos e suas virtudes, movidos pela pretensão de darem a última palavra.
 

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