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Cinema
Hélio Nascimento

Hélio Nascimento

Publicada em 07 de Dezembro de 2023 às 17:55

Um drama em três versões

Rashomon, de Akira Kurosawa

Rashomon, de Akira Kurosawa

DIVULGAÇÃO/JC
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Hélio Nascimento
O filme Rashomon, que Akira Kurosawa realizou em 1950, é um daqueles que deixou marcas na história do Cinema. E não apenas por realçar como é difícil a análise de fatos, nos quais são vários os seres humanos envolvidos. Até uma versão americana foi realizada sob a direção de Martin Ritt, em 1964, exibido no Brasil com o título de Quatro Confissões. Monster, de Hirokaju Kore-eda, foi exibido no Festival de Cannes deste ano, quando foi vencedor na categoria de roteiro, escrito por Yuji Sakamoto. Kore-eda é um realizador que tem preferido colocar sua câmera diante da família humana e, através desta visão, colocar na tela aqueles dados cujo conhecimento é necessário para a compreensão do mundo e de uma forma de estrutura na qual o ser humano ocupa lugar menor, substituído ou dominado por rituais, normas e imposições que, aliadas ao próprio ritmo da vida, contribuem para o desconforto e o sofrimento. Em seu novo filme, o cineasta se mantém fiel a uma técnica de reconstituir o cotidiano e deixar falar e agir os personagens, como se a câmera não existisse e a encenação transformasse atores em figuras reais. É como se espectador fosse testemunha oculta de todos os acontecimentos reconstituídos, algo proporcionado por uma técnica que expulsa da tela qualquer recurso regido pelo artificialismo. Porém, no filme atual, as três versões revelam que a contemplação sempre será imperfeita, mesmo que o humano sobreviva às forças da incompreensão e dos mitos criados para impor controle e submissão. Monster não é uma noiva versão do clássico de Kurosawa e nem se limita a reduzir o número de versões, mas deve bastantes ao mestre, assim como está parcialmente ligado a outro clássico: Cidadão Kane, de Orson Welles.
O filme Rashomon, que Akira Kurosawa realizou em 1950, é um daqueles que deixou marcas na história do Cinema. E não apenas por realçar como é difícil a análise de fatos, nos quais são vários os seres humanos envolvidos. Até uma versão americana foi realizada sob a direção de Martin Ritt, em 1964, exibido no Brasil com o título de Quatro Confissões. Monster, de Hirokaju Kore-eda, foi exibido no Festival de Cannes deste ano, quando foi vencedor na categoria de roteiro, escrito por Yuji Sakamoto. Kore-eda é um realizador que tem preferido colocar sua câmera diante da família humana e, através desta visão, colocar na tela aqueles dados cujo conhecimento é necessário para a compreensão do mundo e de uma forma de estrutura na qual o ser humano ocupa lugar menor, substituído ou dominado por rituais, normas e imposições que, aliadas ao próprio ritmo da vida, contribuem para o desconforto e o sofrimento. Em seu novo filme, o cineasta se mantém fiel a uma técnica de reconstituir o cotidiano e deixar falar e agir os personagens, como se a câmera não existisse e a encenação transformasse atores em figuras reais. É como se espectador fosse testemunha oculta de todos os acontecimentos reconstituídos, algo proporcionado por uma técnica que expulsa da tela qualquer recurso regido pelo artificialismo. Porém, no filme atual, as três versões revelam que a contemplação sempre será imperfeita, mesmo que o humano sobreviva às forças da incompreensão e dos mitos criados para impor controle e submissão. Monster não é uma noiva versão do clássico de Kurosawa e nem se limita a reduzir o número de versões, mas deve bastantes ao mestre, assim como está parcialmente ligado a outro clássico: Cidadão Kane, de Orson Welles.
Uma viúva que cria um filho adolescente percebe que o comportamento do menino apresenta sinais de que algo anormal está acontecendo. Nesta primeira parte do filme, o que se torna evidente é que o sistema, representado pela diretora do colégio, professores, integrantes da administração e pelo acusado de ter agredido o aluno, são como prisioneiros ou agentes da desinformação. É admirável como o cineasta sabe transmitir a exasperação da mãe, que por mais que implore recebe como resposta pedidos de desculpas, gestos de submissão e aquela coreografia que apenas revela um mecanismo e uma movimentação destinada a desviar atenções e impor submissão e concordância. Neste mundo, no qual pedidos de desculpas e rituais tentam ocultar verdades e desviar a ação de causas de problemas, tudo funciona de maneira a esconder as origens de sofrimentos. A cena do salto do carro é um ato de desespero e as cenas de busca, que sempre nos revelam cenários onde a luz está ausente, reforçam essa ideia da busca da compreensão num cenário desprovido de lucidez e luminosidade.
Durante a ação, são feitas referências ao renascer, algo estimulado perlas cerimônias diante da foto do pai morto. Esse motivo condutor termina conduzindo o filme para um belíssimo final. Depois de tentar reconstituir um ambiente acolhedor entre os destroços de uma realidade em processo de deterioração - algo que evidencia uma exata compreensão da importância do cenário por parte de Kore-eda- os personagens são iluminados em outro mundo, como se um renascimento se transformasse em realidade. Monster é mais um filme a revelar de forma bastante eloquente como uma imagem tem força e poder de esclarecimento. E na cena da trompa e do trombone, algo que pode ter sido sugerido por Ryuichi Sakamoto, autor da música original falecido após o encerramento das filmagens e a quem o filme é dedicado, se impõe a constatação de como sons podem expressar sofrimento e ao mesmo tempo parecer um pedido de socorro. Kore-eda, partindo de temas relacionados à sua sociedade, sabe ser universal ao explorar desorientações e angústias de figuras humanas que vivem num mundo de sombras e ameaçado de destruição pelo fogo. E, ao concluir o filme, deixa um sinal de esperança de que algo novo substitua as sombras e as ruínas.
 

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