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Cinema
Hélio Nascimento

Hélio Nascimento

Publicada em 30 de Novembro de 2023 às 18:15

Violência e paixão

Napoleão, de Ridley Scott

Napoleão, de Ridley Scott

Sony Pictures Brasil/Reprodução
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Hélio Nascimento
Uma das características da obra do cineasta Ridley Scott, o contraste entre a ciência que permite o uso avançado das mais diversas tecnologias e a realidade que cerca os personagens, surge claramente em seu terceiro e o mais admirado de seus filmes, Blade Runner, o caçador de androides, realizado em 1981. Em tal filme, avanços em transportes e em outros setores da sociedade não impedem que os seres humanos vivam sob uma chuva constante e agredidos por uma poluição que a tudo transforma num cenário sombrio, um mundo que torna o viver uma tarefa difícil. No filme anterior, Alien, o oitavo passageiro, realizado dois anos antes, esse encontro com forças destrutivas se revela inteiramente num combate contra um primitivismo que, tendo origem nas entranhas humanas, se transforme em ameaça constante e destruidora, às vezes até integrado a um cenário que expressa uma avançada tecnologia que permite viagens e pesquisas interplanetárias. Até um robô integra uma missão cujos componentes serão exterminados, com exceção de uma sobrevivente. De uma ou outra forma esse tema estará sempre presente na obra de Scott, seja naqueles filmes desenrolados no futuro, seja naqueles que voltam ao passado, sem esquecer os que, desenrolados no nosso tempo, colocam na tela dilemas decorrentes da luta entre a natureza humana e as leis destinadas a discipliná-la. E por vezes, como em Alien: covenant, o robô criado pelo homem como que supera as limitações, pedindo ao sistema tecnológico que lhe propicie a audição da Entrada dos Deuses em Valhalla, o final da primeira parte da tetralogia wagneriana sobre o Anel do Nibelungo. Uma antecipação cinematográfica do reinado das máquinas.
Uma das características da obra do cineasta Ridley Scott, o contraste entre a ciência que permite o uso avançado das mais diversas tecnologias e a realidade que cerca os personagens, surge claramente em seu terceiro e o mais admirado de seus filmes, Blade Runner, o caçador de androides, realizado em 1981. Em tal filme, avanços em transportes e em outros setores da sociedade não impedem que os seres humanos vivam sob uma chuva constante e agredidos por uma poluição que a tudo transforma num cenário sombrio, um mundo que torna o viver uma tarefa difícil. No filme anterior, Alien, o oitavo passageiro, realizado dois anos antes, esse encontro com forças destrutivas se revela inteiramente num combate contra um primitivismo que, tendo origem nas entranhas humanas, se transforme em ameaça constante e destruidora, às vezes até integrado a um cenário que expressa uma avançada tecnologia que permite viagens e pesquisas interplanetárias. Até um robô integra uma missão cujos componentes serão exterminados, com exceção de uma sobrevivente. De uma ou outra forma esse tema estará sempre presente na obra de Scott, seja naqueles filmes desenrolados no futuro, seja naqueles que voltam ao passado, sem esquecer os que, desenrolados no nosso tempo, colocam na tela dilemas decorrentes da luta entre a natureza humana e as leis destinadas a discipliná-la. E por vezes, como em Alien: covenant, o robô criado pelo homem como que supera as limitações, pedindo ao sistema tecnológico que lhe propicie a audição da Entrada dos Deuses em Valhalla, o final da primeira parte da tetralogia wagneriana sobre o Anel do Nibelungo. Uma antecipação cinematográfica do reinado das máquinas.
Napoleão, que Scott agora apresenta ao público, começa com uma cena que descreve minuciosamente uma execução na guilhotina, instrumento que permanece até hoje como um dos símbolos da Revolução Francesa, a mesma da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, e que também deu origem ao Terror, chamado por Robespiérre de Comitê de Salvação Pública, cuja atuação inclui o massacre de Vendeia, quando a população daquele departamento, monarquista e inconformada com a execução do rei, foi violentamente reprimida, inclusive com o afogamento no Loire de mulheres e crianças, episódio, ao qual não faltou a denominação de despopulação, chefiado por Jean Baptiste Carrier, chamado por Bolívar Lamounier de "o mais demente dos dementes". O filme de Scott não se refere a tais acontecimentos, mas de certa maneira a eles alude numa cena em que canhões são utilizados para impedir uma manifestação contra a Revolução, matando a maioria dos manifestantes. Esta e outras cenas certamente influenciaram certos críticos, transformados por inciativa própria em historiadores, a verem no filme apenas distorções. Acontece que a obra de ficção tem o direito a situações criadas pelo autor, ao procurar a síntese de tais acontecimentos. Não importa se Napoleão estava ou não presente na execução da Maria Antonieta. O que importa é que ele presenciou os acontecimentos revolucionários e percebeu o caos que resultaria e se preparou para exercer o poder imperial.
A paixão por Josefina é uma espécie de contraponto que serve a Scott, trabalhando sobre um roteiro de David Scarpa, para revelar uma relação marcada por um sexo praticado por robôs. Tais cenas mostram o guerreiro não conseguindo conter a agressividade. Quanto às assim chamadas alterações de fatos, vale lembrar o livro O passado imperfeito, organizado por Mark C. Carnes e integrado por ensaios de professores de história, que analisam com elegância e alguma ironia as relações entre cinema e história. Na apresentação, Carnes lembra que Shakespeare omite em Henrique V o fato de o rei ter matado centenas de prisioneiros franceses em Agincourt. Quanto ao cinema, é bom lembrar que o grande Stanley Kubrick, no seu Spartacus, também não reconstitui a execução de mais de 300 prisioneiros para vingar a morte de um companheiro, segundo o professor H.H. Harris, na mesma publicação. Por isso, é preciso ter cuidado ao se exigir de um ficcionista ser um documentarista. A não ser que Shakespeare e Kubrick tenham de ser cancelados, como é moda, infelizmente, nos dias atuais.
 

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