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Cinema
Hélio Nascimento

Hélio Nascimento

Publicada em 16 de Novembro de 2023 às 17:54

A vingança

O Assassino, de David Fincher

O Assassino, de David Fincher

Netflix/Divulgação/JC
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Hélio Nascimento
Um filme como O assassino, que foi um dos participantes da mostra principal do Festival de Veneza deste ano, não ter obtido em Porto Alegre um espaço apropriado, é um fato a lamentar. Um público restrito tem a oportunidade vê-lo em tela pequena e sem condições de contemplar sua ação de forma correta e acompanhada por efeitos sonoros que, segundo os felizardos que tiveram tal privilégio em outros centros, contribuem de maneira decisiva para sua dramaticidade.
Um filme como O assassino, que foi um dos participantes da mostra principal do Festival de Veneza deste ano, não ter obtido em Porto Alegre um espaço apropriado, é um fato a lamentar. Um público restrito tem a oportunidade vê-lo em tela pequena e sem condições de contemplar sua ação de forma correta e acompanhada por efeitos sonoros que, segundo os felizardos que tiveram tal privilégio em outros centros, contribuem de maneira decisiva para sua dramaticidade.
Estamos diante de outra prova de que os responsáveis pela programação cinematográfica da cidade estão perdendo a oportunidade de trazer de volta aos cinemas parte expressiva do público. A tela doméstica, como se sabe, não permite a completa aferição da imagem criada pelo diretor do filme e pelos que com ele trabalham em vários setores. É estranho também que muitos daqueles que sabem o que é uma projeção em lugar apropriado se deixem seduzir por um simulacro de cinema. São insuperáveis as condições das salas que contam com recursos que valorizam a nitidez, a luminosidade e a acústica. As empresas produtoras, pressionadas por exigências que obrigam as exibições em cinemas para terem seus filmes direito a concorrer a prêmios e participar de festivais, exibem suas produções nas salas apropriadas, pelo menos naquelas cidades que contam com cinemas modernos. É uma pena que Porto Alegre, mesmo contando com cinemas dotados de todos os recursos e que, em outros tempos, integrava a primeira divisão do setor, tenha agora ficado de fora, o que não é a primeira vez. Mas o filme, mesmo que em condições limitadas, merece ser visto, pois certos temas propostos pelo relato podem ser em parte apreciados.
David Fincher é o realizador de Seven - Os sete crimes capitais, aquele filme que, no ano de 1995, renovou o gênero policial, descrevendo a caça a um assassino serial, enquanto colocava o espectador diante das sinistras e reveladoras mensagens enviadas pelo executor de crimes, todos eles inspirados nos maiores pecados praticados pelo ser humano. O filme conservava a dupla clássica de detetives, interpretada por Morgan Freeman e Brad Pitt, devidamente apresentados nos créditos iniciais, que omitiam o nome de Kevin Spacey, só relevado no final, como se sua figura no filme não fosse interpretada por um ator, naquela impressionante e inigualável sequência final. Agora, com o alemão Michael Fassbender, outro ator excepcional, no papel principal, personagem de vários nomes, o cineasta volta ao mundo do crime, apresentando-o como uma metáfora de uma civilização, desde o trecho inicial. Nesta abertura, contemplamos dois cenários: um habitado por um homem devidamente municiado e preparando-se para um assassinato encomendado, habitando um depósito e dormindo em condições precárias, mas mantendo sua força física numa coreografia que atesta sua força; o outro é a cobertura de um condomínio de luxo, habitado pelo próximo alvo, beneficiado pelo luxo e os prazeres. O protagonista, que pouco fala, mas como narrador deixa sua visão de mundo, menciona maiorias e minorias. Os cenários expressam verdades que as palavras confirmam, só que agora, no lugar do agente da lei nos policiais clássicos, quem verbalmente se expressa é um criminoso.
De cidade em cidade, utilizando passaportes e cartões, a figura principal aparece como um símbolo movido pela tecnologia. Utiliza com habilidade e rapidez recursos modernos, num ritual que o filme acompanha sem qualquer preocupação didática. Eis um filme mais preocupado em relatar a impiedade do que expor detalhes. Porém, é esta notável utilização dos meios que possibilitam a criação de um cenário sombrio que coloca o espectador diante de mecanismos que permanecem invisíveis, mas cuja missão é exposta através da violência presente em quase todo o tempo em que a ação se desenrola. São várias cidades, vários nomes utilizados e muitos os envolvidos a serem castigados. Assim como em Os sete crimes capitais, filme escrito pelo mesmo roteirista, Andrew Kevin Walker, agora inspirado por uma novela gráfica francesa, O assassino é um painel integrado por traços reveladores e quase sempre ocultos. Mais uma valiosa contribuição de Fincher ao gênero policial. Merecia uma tela maior.
 

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